Prazer cinematográfico absoluto
Para o último - o roubo de um comboio carregado de gasolina - recorre ao financiamento de um velho mafioso, amigo de longa data do pai, Grga Pitic (a quem mente, dizendo-lhe que Zarija já morreu), e escolhe como parceiro Dadan, um extravagante "gangster" e criminoso de guerra. Acaba, no entanto, por ser enganado por este, que o obriga a casar o filho de 17 anos, Zare, com a diminuta Afrodita, a única das suas irmãs que ainda não deu o nó.
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Para o último - o roubo de um comboio carregado de gasolina - recorre ao financiamento de um velho mafioso, amigo de longa data do pai, Grga Pitic (a quem mente, dizendo-lhe que Zarija já morreu), e escolhe como parceiro Dadan, um extravagante "gangster" e criminoso de guerra. Acaba, no entanto, por ser enganado por este, que o obriga a casar o filho de 17 anos, Zare, com a diminuta Afrodita, a única das suas irmãs que ainda não deu o nó.
O problema é que os dois relutantes nubentes têm outros planos: Zare está perdidamente apaixonado por uma outra rapariga, Ida, e Afrodita continua à espera que o homem dos seus sonhos chegue finalmente... E as coisas complicam-se ainda mais quando, no dia do casamento (ou "casório", segundo Dadan), Grga, acompanhado pelos netos, resolve ir visitar a campa do falecido amigo...
"Gato Preto, Gato Branco" (1998) é uma comédia hilariante, cuja acção decorre ao longo das margens do Danúbio, e representa o cinema de Emir Kusturica em estado puro. Nele, o realizador jugoslavo volta a demonstrar o seu fascínio pela comunidade cigana - que já tinha sido o centro de uma das suas obras mais aclamadas, "Tempo dos Ciganos" (1989) - e transporta para primeiro plano o humor absurdo e caótico presente, embora diluído, na melancolia satírica das meditações geopolíticas que assinara antes, como "O Pai Foi em Viagem de Negócios" (1985) ou o definitivo "Underground" (1995), pelas quais passava o "realismo mágico" tão do agrado do cineasta.
De facto, em "Gato Preto, Gato Branco" não há vestígios de seriedade. Apenas uma fantasia rocambolesca e festiva, entre o burlesco e o surrealista, povoada por excêntricas figuras - como o inenarrável Dadan e a sua canção preferida, o ridículo "Pitbull Terrier", que provocou furor mundial - num frenesim contínuo, movidas pela energia febril da música cigana que serve de banda sonora (o lema do filme podia ser mesmo o "música, agressão!" exclamado por uma das personagens). A lógica é a do "nonsense" mais inadulterado, como o comprova o porco que ao longo do filme vemos a comer um automóvel...
E tal como o amor de Kusturica pela música sempre esteve em evidência na sua obra (não será por acaso que lhe chamam "o ''punk'' dos Balcãs"), em "Gato Preto, Gato Branco" encontramos ainda vários outros temas e obsessões habituais no universo do realizador: a perda de inocência e consequente passagem para a idade adulta do protagonista, a comunhão, em plena harmonia, entre humanos e animais, e a reflexão sobre uma série de deveres familiares, tradições e costumes ancestrais.
E se no filme inicial de Kusturica, "Lembras-te de Dolly Bell?" (1981), se escondia uma prostituta no sótão, agora é a vez dos (supostos) cadáveres de dois velhotes, preservados em gelo. Acabarão por "ressuscitar", prova provada de que, neste filme apaixonante a transbordar de vida, até a morte em princípio inevitável pode ser derrotada. Conclusão: prazer cinematográfico absoluto.