Cheques sem provisão duplicam trabalho dos tribunais
Preocupado com o facto de, no último ano, o número de processos ter duplicado, João Dias Borges, procurador distrital de Lisboa, preconiza uma avaliação das vantagens e inconvenientes de se manter o actual regime de criminalização dos cheques sem cobertura.
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Preocupado com o facto de, no último ano, o número de processos ter duplicado, João Dias Borges, procurador distrital de Lisboa, preconiza uma avaliação das vantagens e inconvenientes de se manter o actual regime de criminalização dos cheques sem cobertura.
"O dispêndio de meios do sistema judiciário e o evidente contributo, não negligenciável, para a morosidade da justiça não aconselharão repensar a problemática do crime de cheque sem provisão?", pergunta Dias Borges. Este responsável pela mais importante área judicial portuguesa fez as contas e admitiu que, para dar resposta aos cheques sem provisão, seria necessário, no mínimo, empenhar durante um ano e em exclusividade 20 magistrados judiciais e do Ministério Público e outros tantos oficiais de justiça.
A situação começa a ser "preocupante", alerta o magistrado do Ministério Público, cerca de seis anos depois de o legislador ter descriminalizado a conduta de quem emitiu cheques sem cobertura pré-datados e de valor igual ou inferior a 12.500 escudos (62,35 euros). E lembra que, quando a lei foi promulgada, só na comarca de Lisboa tinham sido iniciados cerca de 20 mil inquéritos. Este volume processual sofreu uma significativa redução um ano após a descriminalização, baixando para quatro mil o número de inquéritos motivados.
Um cenário que estará em mudança, devido à degradação da economia das famílias e à inibição de uso dos cartões de crédito, por ultrapassagem dos respectivo limite. Factores que reforçaram o papel do cheque como meio de pagamento e induziram o aumento do número de casos de cheques sem provisão. Os primeiros sinais deste fenómeno sentiram-se na comarca de Lisboa, onde cresceu o número de queixas, uma fatia significativa das quais era subscrita pelos representantes legais das grandes superfícies. Estas empresas passaram a servir-se da comarca de Lisboa para pedir contas a clientes com pagamento em falta residentes nos mais variados e recônditos pontos do país, desde Faro a Bragança.
As Estatísticas Judiciais ilustram esta situação e, segundo João Dias Borges, na comarca de Lisboa, no ano de 2002, foram abertos 8209 inquéritos, que tinham por objecto o crime de cheque sem provisão. Ilícito que motivou cerca de nove por cento do total de inquéritos iniciados naquela comarca. A resposta dos titulares da acção penal tem sido significativa e, no ano transacto, foram deduzidas 3463 acusações, cifra que representa 42 por cento do total de inquéritos iniciados por aquele crime e 32 por cento do total das acusações proferidas na comarca de Lisboa. O peso crescente do crime de cheque sem provisão é bem visível no movimento dos juízos criminais de Lisboa, onde foram distribuídos 3260 inquéritos dessa espécie, representando 36 por dos processos prontos a decidir. Nos Criminais de Lisboa, foram julgados, no ano passado, 3349 casos de cheques sem provisão, o que representa 45 por cento do total de julgamentos ali efectuados.