Estado comprou a si mesmo a Quinta da Falagueira
O comunicado não esclarece qual o envolvimento financeiro de Pereira Coutinho na operação. Aparentemente o empresário vai deter direitos na exploração imobiliária do terreno, mas não se sabe o que pagou por isso.
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O comunicado não esclarece qual o envolvimento financeiro de Pereira Coutinho na operação. Aparentemente o empresário vai deter direitos na exploração imobiliária do terreno, mas não se sabe o que pagou por isso.
Em causa está um terreno estatal de cerca de 60 hectares na Amadora, para o qual a respectiva autarquia tem vários projectos, nomeadamente a construção de uns novos paços do concelho, um tribunal e uma escola, entre outras instalações. Já lá está a ser construída uma estação de Metro, que dará sequência à linha que vem da Pontinha.
Em Novembro passado o terreno esteve à venda por 52 milhões de euros (cerca de 10 milhões de contos), em hasta pública. O leilão ficou no entanto deserto - ou seja, ninguém apareceu para o comprar.
Agora a venda fez-se por ajuste directo. Mas o comprador não foi Vasco Pereira Coutinho, pelo menos directamente. O Estado (ou melhor, a Direcção-Geral do Património do Estado, sob a tutela do Ministério das Finanças) vendeu ao próprio Estado, através de uma sociedade, a CONSEST, detida a cem por cento pela SAGESTAMO, a subsidiária para o imobiliário da Parpública, a entidade, cem por cento estatal, que controla as receitas provenientes das privatizações. A CONSEST foi constituída em escritura pública em 26 de Dezembro expressamente para este negócio. No dia seguinte comprou o terreno à Direcção-Geral do Património do Estado.
"Insinuação difamatória"Por esclarecer está também a forma como a Câmara da Amadora se irá associar a este projecto. O terreno não é seu, mas de si já dependem grande parte dos licenciamentos para construção que ali se fizerem. A Câmara não prescinde de reservar para si quase um terço do terreno - 18 hectares, mais precisamente. Isto para a construção dos novos paços do concelho, de um tribunal, de uma escola e de outras infra-estruturas. Ontem, na TVI, o presidente da autarquia, Joaquim Raposo (PS) disse desconhecer os pormenores do negócio. Mas avisou que toda a planificação do terreno depende da autarquia e que esta não prescinde de fazer o que há muito tem pensado. Segundo disse, a "habitação é a última prioridade".
O negócio da venda ocorreu na mesma altura em que o primeiro-ministro (e família) usufruíam no Brasil de umas férias de luxo oferecidas por um irmão de Vasco Pereira Coutinho, João Pereira Coutinho, detentor, em parceria com a RTP e a SIC (nomeadamente) da única frequência de televisão digital terrestre (um negócio com investimentos avaliados em 400 milhões de contos).
Uma coisa e outra foram imediatamente associadas e ontem Durão Barroso foi forçado a afirmar que via isso como uma "insinuação difamatória". "Esse processo [a venda da Falagueira] foi feito segundo todas as regras", disse o primeiro-ministro, que acrescentou: "Há muitas pessoas que eu conheço e que naturalmente têm negócios com o Estado."
A venda já suscitou dois requerimentos (às Finanças) por parte de dois partidos da oposição. Anteontem o PCP quis saber quem comprou o terreno e por quanto. Ontem o Bloco de Esquerda pediu mais pormenores, nomeadamente se o Governo pretende ou não expropriar parte do terreno para ali construir uma estação de metro.
Estas tomadas de posição suscitaram a indignação do líder do PSD do Porto. Marco António, também deputado, qualificou os ataques da oposição de "anti-patrióticos" por surgirem numa altura em que, segunda alega, Portugal está a recuperar a sua imagem internacional.