Sons do espaço captados pela sonda Voyager transformados em música

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Programa de artes da NASA juntou compositores, músicos, um encenador e um astrofísico para transformar ciência em espectáculo NASA

Este espectáculo resultou de um programa da NASA que encomenda obras a artistas há três décadas, entre os quais Andy Wahrol e Robert Rauschenberg. Os responsáveis da NASA lembraram-se do grupo Kronos Quartet em 2000, quando surgiu a ideia de usar os sons que a Voyager enviava do espaço. Quando o líder do grupo, David Harrington, ouviu uma cassete com aquilo a que se poderia chamar os grandes sucessos de Gurnett, foi em Riley que pensou. E o coro foi ideia de Riley.

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Este espectáculo resultou de um programa da NASA que encomenda obras a artistas há três décadas, entre os quais Andy Wahrol e Robert Rauschenberg. Os responsáveis da NASA lembraram-se do grupo Kronos Quartet em 2000, quando surgiu a ideia de usar os sons que a Voyager enviava do espaço. Quando o líder do grupo, David Harrington, ouviu uma cassete com aquilo a que se poderia chamar os grandes sucessos de Gurnett, foi em Riley que pensou. E o coro foi ideia de Riley.

"O telefonema da NASA surgiu de repente", conta Harrington. "Nem sequer sabia que a agência espacial norte-americana tinha um programa artístico. Nunca tinha ouvido estes sons, mas pareceu-me uma ideia interessante."

Depois de ouvir a cassete, falaram-lhe de Gurnett, que passou 40 dos seus 60 anos num laboratório na Universidade do Iowa, a inventar equipamentos para captar emissões vindas do espaço. O violinista foi contagiado pelo entusiasmo do astrofísico ao falar dos sons feitos por electrões a atravessarem os campos magnéticos que rodeiam os planetas exteriores do sistema solar.

Gurnett contou a Harrington aquilo que costuma contar a toda a gente - que a primeira vez que ouviu aqueles sons, quando era um estudante de 22 anos e já trabalhava na NASA, pensou que os instrumentos se tinham avariado. "Não fazíamos a menor ideia do que era aquilo", diz. Viajando à velocidade da luz, estes sons são provas sonoras da chegada de partículas electricamente carregadas à atmosfera terrestre, onde desencadeiam raios e auroras.

"Senti-me inspirado pela energia de Don. Penso nele como um construtor de instrumentos: o que queria era tocar música", diz Harrington. Para transformar estes sons numa peça musical, Harrington pediu ajuda a Riley, cuja primeira composição feita de propósito para o Kronos Quartet, há 22 anos, se chamava "Aurora do Coleccionador de Sonhos Planetários". "O Terry diz que foi por causa desse título que o convidámos, mas acho que não. Foi a curiosidade que ele tem acerca do Universo, e o facto de, ao longo de muitos anos, ter utilizado diferentes tipos de sons na sua música", diz Harrington.

Riley, de 67 anos, é um pioneiro do "sampling" e da música de sistemas ("Um Arco-Íris no Ar Curvo" é uma das suas peças mais conhecidas) e não precisou de ser convencido, sobretudo depois de passar um dia com Gurnett. "Ele empenha-se tanto no que faz que nos contagia, mesmo que não percebamos bem do que está a falar", explica Riley. "Estes sons não parecem estranhos à Terra. Na verdade, alguns recordaram-me as experiências que fazia nos anos 50, com música concreta: usava gravadores mono, deitava berlindes para o interior de um piano e por aí fora. Ninguém diria que estes sons tinham sido gravados nas redondezas de Júpiter ou Urano."

Riley escolheu os sons de que gostava mais e escreveu a música para o quarteto inspirando-se neles, em dez curtos andamentos. A tarefa de filtrar os "bips" e "hoos" foi delegada em David Dvorin, um jovem compositor com experiência em electro-acústica. "Cada peça foi inspirada num ou mais dos sons. Às vezes ouvia um fragmento melódico ou uma textura, ou então parecia ouvir vozes a sussurrar numa linguagem ininteligível. Usei muitos 'loopings'. No espaço não há periodicidade ou repetições. Os sons ocorrem ao acaso. Mas, quando os ouvimos num contexto rítmico, parecem diferentes. Chamo-lhes paisagens espaciais. Por vezes os sons são dominantes e agressivos, como se se estivesse num ambiente hostil, noutros momentos são serenos e pacíficos. Pensei que nos músicos do Kronos como viajantes por diferentes atmosferas espaciais. Esta seria a música que tocariam à medida que passavam pelos anéis de Saturno ou pelos gases de Júpiter."

Harrington, por seu lado, viu filmes e "slides" de missões espaciais na NASA, que o inspiraram de outra forma. "Era óbvio que precisávamos de elementos visuais", conta. Para isso, procurou a ajuda de Willie Williams, que concebe espectáculos para a banda rock U2 há 20 anos, mas já trabalhou também com David Bowie, com os Rolling Stones e o grupo de dança La La La Human Steps.

Também ele sucumbiu ao entusiasmo de Gurnett. "Tive aulas avançadas de física na escola, por isso até percebia o que ele dizia. Era fantástico poder perguntar-lhe tudo aquilo que uma pessoa sonha um dia perguntar a um astrofísico: há vida em Marte? Acredita em Deus? O Universo vai contrair-se num 'Big Crunch'?"

Williams rodeou o quarteto de uma pequena floresta de estacas prateadas, cada uma com uma luz no topo. Cada músico usa uma varinha de fibra óptica para fazer tocar "samples" de sons espaciais. Por trás deles, no palco, são projectadas imagens em três ecrãs gigantes, para ilustrar e potenciar a música de várias formas, algumas bastante inesperadas.

"Pensei muito na nossa relação com o Universo. Estudei metafísica toda a minha vida e, quando se ouve os astronautas a descrever o que vêem no espaço, percebe-se que as máquinas não explicam tudo. Havia uma espécie de sentido nestes sons." Esta maneira de pensar era visível na estreia da peça, quando um exultante Gurnett subiu ao palco para receber os aplausos juntamente com Riley, Williams, os músicos e o coro. "Quero encontrar música que possa mudar a nossa vida e nos faça apreciar a diversidade da natureza e da humanidade. Parece-me natural que todas estas pessoas trabalhem juntas", comentou Harrington.