Escrivá de Balaguer, uma canonização polémica

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Várias personalidades portuguesas estão em Roma para assistir à beatificação Paolo Cocco/Reuters

O Papa João Paulo II canoniza hoje, perante uma multidão de pelo menos 300 mil pessoas o fundador da Opus Dei, Josemaría Escrivá de Balaguer. Nascido em Barbastro (província de Huesca, no norte de Espanha), em 1902, filho de um mercador de tecidos, Escrivá decidiu, "por inspiração divina", em 2 de Outubro de 1928, criar a Opus Dei, uma das instituições mais controversas no interior da Igreja Católica, que propõe a santificação do trabalho e do quotidiano como atitude espiritual, mas que é criticada por aquilo que muitos consideram o secretismo e o seu carácter de grupo de pressão.

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O Papa João Paulo II canoniza hoje, perante uma multidão de pelo menos 300 mil pessoas o fundador da Opus Dei, Josemaría Escrivá de Balaguer. Nascido em Barbastro (província de Huesca, no norte de Espanha), em 1902, filho de um mercador de tecidos, Escrivá decidiu, "por inspiração divina", em 2 de Outubro de 1928, criar a Opus Dei, uma das instituições mais controversas no interior da Igreja Católica, que propõe a santificação do trabalho e do quotidiano como atitude espiritual, mas que é criticada por aquilo que muitos consideram o secretismo e o seu carácter de grupo de pressão.

"El Padre", como depois viria a ser (e ainda é) chamado pelos seus seguidores, nasce numa família católica tradicional. É o segundo de seis filhos, mas cedo morrem as três irmãs mais novas. Em 1918, depois de a família se ter mudado para Logroño, por razões de trabalho, o jovem decide entrar no seminário. Em Saragoça faz também o curso de Direito, acabando por ser ordenado padre em 1925.

Em 1928, o padre Josemaría está já em Madrid há cerca de um ano. Com o seu trabalho - além do ministério sacerdotal, dá aulas de direito -, sustenta a mãe e os irmãos, que o pai morrera entretanto. No dia 2 de Outubro, ao participar num retiro, Escrivá decide criar a Opus Dei, ou Obra de Deus. É, de acordo com uma biografia oficial, o momento em que "Deus acende na sua alma a luz longamente esperada", consequência do seu trabalho pastoral com universitários e leigos em diversas paróquias. O objectivo da Obra é, diz o mesmo documento, "recordar a todos os baptizados que a vocação cristã é vocação à santidade e ao apostolado, e promover entre homens e mulheres de todos os âmbitos da sociedade um compromisso pessoal de seguimento de Cristo, de amor à Igreja e de procura da santidade na vida quotidiana".

Escrivá não vê menos do que a intervenção divina na fundação da Opus Dei. Andrés Vásquez de Prada, no primeiro volume de uma biografia oficiosa recentemente publicada ("Josemaría Escrivá", edição portuguesa da Verbo), cita um texto de 1934, escrito pelo fundador: "A Obra de Deus não foi imaginada por um homem (...). Há muitos anos que o Senhor a inspirava a um instrumento inepto e surdo, que a viu pela primeira vez no dia dos Santos Anjos da Guarda", esse 2 de Outubro. Para o fundador, o seu papel é o de um humilde servo que interpreta a mensagem divina. Para os seus críticos, esta é uma pretensão que revela, antes, o orgulho de quem se pretende instrumento preferencial nas mãos de Deus.

Estudantes, intelectuais e profissionais liberais continuarão a ser, ao longo das décadas, os meios preferenciais onde a Obra recruta grande parte dos seus membros. Aberta à participação de mulheres - o seu fundador dizia que a secção feminina nasceu contra a sua vontade -, a instituição é, no entanto, dirigida obrigatoriamente por um eclesiástico. Com João Paulo II, passará a ser prelatura pessoal, uma categoria criada pelo Direito Canónico, que a torna uma espécie de diocese autónoma, cujo prelado apenas responde perante o Papa. Nascida também com a ideia de dar protagonismo aos leigos católicos, a Obra acaba, assim, por converter-se numa das instituições onde o peso do eclesiástico é mais notório.

"Os leigos só podem ser discípulos"

Em 1934, há outro momento importante da vida de Escrivá: a publicação do "Caminho", um pequeno livro de conselhos e curtas meditações espirituais. Publicado em mais de 40 línguas, com mais de quatro milhões de exemplares vendidos, o livro apresenta 999 ditos sobre temas como a espiritualidade, a obediência, a missa, a oração, o carácter ou as virtudes. O livro torna-se uma obra de referência dentro da Opus Dei. Uma das suas sentenças reza, precisamente a propósito do papel dos leigos católicos: "Quando um leigo se erige em mestre de moral, engana-se frequentemente. Os leigos só podem ser discípulos" (nº 61); e "Hierarquia. Cada peça no seu lugar. - Que ficaria de um quadro de Velásquez se cada cor saísse do seu sítio...?"

Quando estala a guerra civil, Escrivá refugia-se na França para fugir às perseguições religiosas que se cruzam com o conflito. Na biografia oficial, distribuída pela Opus Dei, afirma-se que o período da guerra civil é um tempo "de perseguição religiosa, que o fundador" também "sofre também na própria pele".

Os anos que se seguem à guerra são, na versão oficial, anos de crescimento da Obra. Retiros pedidos por bispos, pregações do padre Josemaría, crescimento da implantação em toda a Espanha. São anos também em que as ligações dos membros da Opus Dei ao novo governo de Franco aparecem como notórias. Crítico da instituição, Alejandro Garcia escreve ("Escrivá de Balaguer - Mito o Santo?", ed. Libertarias/Produfhi, Madrid, 1992): "Durante o franquismo só pôde ver-se um sócio conhecido da Opus Dei na oposição", o qual estava "totalmente isolado". Pelo contrário, "Franco pôde contar nos seus governos com numerosos e conhecidos membros do Instituto". Havia mesmo mudanças de governo, recorda a AFP, que eram interpretadas como uma regressão ou um aumento da influência da Obra.

80 mil membros

Em 1946, terminada a II Guerra Mundial, nasce uma nova etapa na vida e na acção do padre Escrivá, que passa a viver em Roma. O então Papa Pio XII dá à Opus Dei o estatuto de "instituto secular", termo canónico para designar uma instituição constituída maioritariamente por leigos católicos.

A presença de Escrivá em Roma torna-se decisiva também para a cada vez maior presença da Obra de Deus nas estruturas do Vaticano: cardeais, bispos, padres aderem ou simpatizam com a personalidade do padre Josemaría e com a instituição por ele criada. O fundador viaja pelos vários continentes, faz discursos - é conhecida a sua imagem de microfone pendurado ao pescoço, andando de um lado para o outro -, até morrer, com 73 anos, em 26 de Junho de 1975. A Obra conta, então, com 60 mil membros - agora são cerca de 80 mil.

Logo depois, entra em marcha o processo com vista à sua futura canonização, que levanta novas polémicas: há ex-membros da Obra que se deixam de não ser ouvidos, critica-se a rapidez do processo (em 1992 "El Padre" é beatificado, um recorde dos tempos modernos). Dez anos depois deste acto, o Papa João Paulo II canoniza, amanhã, Josemaría Julián Mariano Escrivá de Balaguer y Albas. O nome também é objecto de controvérsia (ver texto ao lado) mas será ele o 761º santo da Igreja Católica, o 463º do pontificado de João Paulo II, um dos santos que mais paixões - de fervor ou de furor - suscita por parte de muitos católicos.