Richard Linklater Dois em Um
Alguns críticos americanos - Roger Ebert, por exemplo - elegeram-no como "a obra prima da pós-geração X". O que é que tem de especial "Waking Life"? Talvez isto: é um filme de animação que possui uma vibração muito própria e quase táctil de realidade. E que constituiu um desafio para o realizador: "Como fazer um filme sobre o que, aparentemente, se passa na minha cabeça?".
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Alguns críticos americanos - Roger Ebert, por exemplo - elegeram-no como "a obra prima da pós-geração X". O que é que tem de especial "Waking Life"? Talvez isto: é um filme de animação que possui uma vibração muito própria e quase táctil de realidade. E que constituiu um desafio para o realizador: "Como fazer um filme sobre o que, aparentemente, se passa na minha cabeça?".
Na verdade, esse passo já Linklater havia dado em "Slacker", de 1991, uma narrativa experimental sobre 24 horas na vida de 100 pessoas, e onde uma personagem descia de um autocarro, afectado pelos efeitos de um sonho que acabava de ter, não sabendo se estava acordado ou não. Em "Waking Life" a ideia-base é semelhante: há uma personagem que desconhece se está ou não acordada. É esse o peso programático do título do filme: um estado de vigília.
"Waking Life" é filmado como se fosse visto através dos olhos da personagem principal - como em "Slacker", alguém que desconhece a realidade que o rodeia. É ela que junta parcelas de uma "realidade", que outras personagens lhe transmitem, como se fosse reconstruindo um "puzzle". Num périplo feito de "sketches", encontrar-se-á com uma série de figuras - amigos, professores de filosofia quântica ou teóricos do existencialismo, celebridades como Steven Soderbergh ou "desconhecidos" com os rostos de Julie Delpy, Ethan Hawke - que lhe explicam os significados da palavra "sonho"; e o que é estar acordado.
Filme-movimento, traz algo de novo ao cinema de Linklater: a animação de imagens reais. É por essa razão que realizador e produtor, Bob Pallota, têm afirmado que são "dois filmes em um": um, filmado com imagens reais; outro, que se lhe sobrepõe, animado.
Filmado em três locais diferentes -Austin, Nova Iorque e San Antonio - "Waking Life" sugere subúrbios multicromáticos, pintados a lápis de cor, personagens que parecem levitar sob cores aberrantes e imagens "pop art", à maneira de Alex Katz ou Gary Hume, e que se movem em caleidoscópio. Nesse sentido, o filme é uma fábula que vampiriza também a pintura - Linklater convidou uma série de pintores a apropriarem-se de sequências do filme. As imagens reais foram rodadas em vídeo digital e depois manipuladas através de um "software" inovador, que lhes confere uma textura híbrida.
Para além do virtuosismo da técnica, há melancolia e apreço pelas personagens. Como em outros filmes do realizador, sentimos que estamos perante uma geração encerrada nos seus limites - "Waking Life" perpetua as dificuldades do crescimento e do estar vivo.