as Páginas de Nick Hornby
Apesar da relativa voracidade com que o cinema se tem atirado aos livros de Nick Hornby (em cinco anos, "Era uma vez um rapaz" é a terceira adaptação de um livro seu) não se pode dizer que a sua escrita seja atreita a transposições cinematográficas. Pelo menos sem se perder o essencial. Não porque Hornby seja James Joyce, mas porque há uma questão formal determinante: os seus livros são longos monólogos, onde contam menos as acções do que as reflexões, e do que, sobretudo, as descrições.
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Apesar da relativa voracidade com que o cinema se tem atirado aos livros de Nick Hornby (em cinco anos, "Era uma vez um rapaz" é a terceira adaptação de um livro seu) não se pode dizer que a sua escrita seja atreita a transposições cinematográficas. Pelo menos sem se perder o essencial. Não porque Hornby seja James Joyce, mas porque há uma questão formal determinante: os seus livros são longos monólogos, onde contam menos as acções do que as reflexões, e do que, sobretudo, as descrições.
É por aí que a peculiar mistura de hedonismo e melancolia, humor e tristeza, que caracteriza a sua escrita se insinua melhor. Filmar isso, ou seja, mostrar, equivale um bocadinho a ilustrar uma anedota e mesmo nos seus melhores momentos "Era uma vez um rapaz" pouco mais longe vai, por bem conseguida que seja a ilustração da anedota.
Na sua adaptação de "Alta Fidelidade" (melhor filme do que este), Stephen Frears enfrentara o problema com frontalidade. Em sentido literal, uma vez que punha o protagonista John Cusack a falar directamente para a câmara, assumindo o solilóquio e permitindo-se recitar páginas inteiras do livro que lhe servia de base. "Era uma vez um rapaz" é mais convencional, e perante a necessidade de integrar o texto e as reflexões do protagonista aposta na boa velha voz "off" - omnipresente, e donde dependem os efeitos cómicos, por norma resultantes do contraste (ou da afinidade) entre o que se vê e o que se ouve. Não é sofisticado, a maior parte das vezes as duas coisas anulam-se, pela redundância, uma à outra, e é fácil imaginar que o livro de Hornby daria um melhor objecto transformado em teatro radiofónico.
"Era uma vez um rapaz" resulta assim num filme bastante macio, apostado em ser amável, exactamente na mesma linha de outras "britcoms" dos últimos anos (anda próximo de uma versão masculina de "O Diário de Bridget Jones", que teve origem na mesma equipa de produtores). A moral é a mesma de sempre: Grant é um solteirão empedernido, cínico e egoísta, e a vida (leia-se: o encontro com um miúdo solitário chamado Marcus) encarregar-se-á de o fazer ganhar consciência de que é preciso ter outro tipo de valores. O filme extrai do livro de Hornby esta trajectória de recuperação para a normalidade; pelo caminho fica a questão nuclear da solidão e da inadaptação (ou mesmo da sociopatia), da insegurança feita snobeira ou da snobeira feita insegurança (no filme praticamente desaparece a melancolia), e quando se tenta que ela apareça tudo se reduz a Hugh Grant a fazer o seu número de cão abandonado.
De qualquer modo, se o filme aposta em ser amável tem, por esse lado, algum sucesso. O casting de Marcus, o miúdo freak (Nicholas Hoult), é um achado, Hugh Grant ensaia uma variação à sua imagem de marca, os diálogos e comentários (o essencial do filme) são plenos de verve, o contexto pop caro a Hornby aparece mitigado (em princípio, "About a Boy" tem a ver com uma canção dos Nirvana, "About a Girl") mas aparece e o clímax é mesmo a mais inacreditável versão de "Killing Me Softly" que alguém já concebeu. Aliás, e no mesmo sentido da canção de Roberta Flack, é isso que o filme pretende fazer com o espectador: ir matando-o suavemente.
Se alguém precisar de um filme de Verão, deve ser isto.