Direita francesa é favorita num escrutínio apático

A direita parte favorita na primeira volta das legislativas francesas. A esquerda não tem ilusões de vitória. Mas uma campanha eleitoral tristonha, com mais de oito mil candidatos a dispersarem os votos, e uma extrema-direita determinada, prometem algumas surpresas. Entre as mesas de voto a seguir atentamente, quatro são particularmente representativas dos sentimentos dos eleitores. Os comunistas (PCF) e os centristas (UDF) estão ameaçados de morte neste escrutínio.

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Todas as sondagens apontam para uma vitória da direita Joel Saget/AFP

Mas nesta última semana de uma campanha eleitoral desgarrada, tornou-se evidente que o Presidente da República, Jacques Chirac, não provocou uma dinâmica de fundo a favor do seu campo, apesar de ter tido a vantagem de nomear um governo que lhe é favorável logo a seguir à sua reeleição, a 5 de Maio.

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Mas nesta última semana de uma campanha eleitoral desgarrada, tornou-se evidente que o Presidente da República, Jacques Chirac, não provocou uma dinâmica de fundo a favor do seu campo, apesar de ter tido a vantagem de nomear um governo que lhe é favorável logo a seguir à sua reeleição, a 5 de Maio.

Este dado baralhou, de resto, a campanha. A direita dá a sensação de se apresentar a uma reeleição, quando na realidade os seus deputados estavam na oposição. Por seu lado, a esquerda, que governou o país de 1997 até 7 de Maio último, apareceu na campanha como saindo da oposição. Nenhum campo conseguiu assim marcar claramente pontos. E com o escrutínio legislativo a seguir de perto a eleição presidencial, as ambições políticas não voam muito alto.

Os socialistas desejam uma vingança improvável, depois da derrota humilhante do antigo Primeiro-ministro, Lionel Jospin, nas presidenciais, mas contentar-se-iam com uma derrota honrosa. Os ecologistas sonham com um grupo parlamentar autónomo, e os comunistas, assim como os centristas da UDF lutam pela mera sobrevivência. A extrema-direita espera conquistar um papel decisivo na futura assembleia. O partido único da direita, a União para a Maioria Presidencial (UMP), resume o seu programa no seu nome: dar a maioria absoluta ao Presidente Chirac.

Neste panorama tristonho, os leques de resultados das sondagens são tão latos que se torna difícil interpretá-los com firmeza. A última fornada de inquéritos, publicada na sexta-feira, atribuía entre 31 e 40,5 por cento das intenções de voto à esquerda (socialistas, ecologistas, comunistas e radicais), contra 35,5 a 43,5 por cento à direita (maioria presidencial, centristas e independentes de direita). A extrema-direita (Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen, e MNR do dissidente Bruno Mégret) teria entre 12,5 a 14,5 por cento das intenções de voto. Mas cerca de 30 por cento dos eleitores diziam na sexta-feira que ainda não tinham decidido por quem iriam votar.

Tudo se passa como se a França tivesse esquecido a grande mobilização cívica de 1 de Maio contra a extrema-direita, que estava então presente, com o seu líder, Jean-Marie Le Pen, na ponta final das eleições presidenciais. A direita concentrou-se toda nas manobras de criação da UMP, e na tentativa de marginalização dos que lhe resistem, como o líder centrista da UDF, François Bayrou.

O Partido Socialista Francês (PSF), ainda entontecido com a terrível derrota nas presidenciais, deu uma rápida viragem à esquerda do seu programa, no capítulo social, mas preocupou-se mais com a urgência das legislativas: impedir a dispersão dos votos. Os socialistas selaram acordos de alianças com os Verdes, os comunistas e os radicais. Mas o divórcio com o Pólo Republicano do antigo dissidente socialista Jean-Pierre Chevènement confirmou-se neste escrutínio. A esquerda unida enfrentará assim candidaturas da formação de Chevènement em quase todas as circunscrições.

Para conquistar os 289 lugares de deputados que lhe dariam a maioria absoluta, a direita designou uma nova coabitação como o seu principal inimigo. A esquerda tentou mobilizar o eleitorado apático com promessas sinistras de uma explosão social caso a direita controle todos os comandos do poder. Mas com a amnésia geral do choque das presidenciais, as chaves do escrutínio voltam a ser as mesmas.

A taxa de abstenção será determinante. Se voltar a rondar os 30 por cento, confirmaria que o panorama político francês não mudou. Os riscos imediatos seriam um aumento mecânico dos resultados da extrema-direita, cujo eleitorado permanece fortemente mobilizado.

A dispersão dos votos será outro elemento crucial. Nas presidenciais, o candidato de esquerda perdeu quatro milhões de sufrágios, que se dispersaram pela extrema-esquerda, e o Presidente cessante perdeu dois milhões de votos, a favor da extrema-direita e dos centristas. Com uma vasta escolha de mais de oito mil candidatos, os franceses têm a oportunidade de reeditar um voto de mau-humor, ou de indicar que confiam de novo nas grandes formações, que apelaram ao "voto útil" desde a primeira volta.

A terceira chave é, de novo, o resultado da extrema-direita lepenista. Se os seus candidatos reunirem os 5,5 milhões de votos que Jean-Marie Le Pen conquistou nas presidenciais, a Frente Nacional estará presente em 150 a 200 batalhas da segunda volta, e em posição de árbitro em cerca de uma centena de circunscrições. Ou seja, a FN espera confirmar a sua capacidade para alterar as relações de força políticas entre a esquerda e a direita. A partir desta posição, Le Pen tentaria estabelecer acordos de aliança com a direita clássica, numa perspectiva, a prazo, de chegar ao governo numa coligação de direita.

A UMP decidiu assim expulsar do partido os candidatos tentados por uma aliança com a FN. E, salvo excepção, só serão autorizados a manter-se na segunda volta os candidatos da UMP chegados em primeira ou segunda posição na primeira volta das legislativas.