O horror do Apartheid exposto num novo museu em Joanesburgo
No fim-de-semana passado, Micah e Rosemary deslocaram-se juntos à zona Sul de Joanesburgo. Lá, perto do casino resplandescente e dos parques de diversões para turistas de Gold Reef City, foi erguida uma estranha nova estrutura. O Museu do Apartheid é um edifício de pedra cinzenta e metal forjado, tão pouco apelativo como impressionante. É suposto que assim seja, segundo o seu director, Christopher Till. É suposto induzir uma sensação de isolamento, distância e deslocação.
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No fim-de-semana passado, Micah e Rosemary deslocaram-se juntos à zona Sul de Joanesburgo. Lá, perto do casino resplandescente e dos parques de diversões para turistas de Gold Reef City, foi erguida uma estranha nova estrutura. O Museu do Apartheid é um edifício de pedra cinzenta e metal forjado, tão pouco apelativo como impressionante. É suposto que assim seja, segundo o seu director, Christopher Till. É suposto induzir uma sensação de isolamento, distância e deslocação.
O "apartheid", afinal de contas, é a palavra "africander" para separação. Mas a separação do "apartheid" era muito mais complexa que ter os brancos e os negros a viver ou trabalhar em áreas distintas. Era uma rotura deliberada e cínica de laços culturais, linguísticos e mesmo humanos. Afectava tudo, desde o que era aprendido na escola ao exercício profissional. Afectava o local onde se nascia e onde se era posto quando se morria.
Durante o seu apogeu oficial, entre 1948, quando o Partido Nacionalista chegou ao poder, e 1994, quando o Congresso Nacional de Nelson Mandela foi eleito para o Governo, o "apartheid", simplesmente, consumia tudo. Tocava cada segmento da sociedade sul-africana, quer fosse um activista anti-"apartheid", um membro branco do Governo ou uma criança inocente. O museu, que depois de quatro anos de preparação abriu há dois meses, tenta replicar todos estes aspectos e comemorar a passagem da "nação do arco-íris" do horror do "apartheid" a uma nova era de democracia e esperança.
Brancos e não-brancosÀ entrada do museu é atribuída aos visitantes uma classificação rácica arbitrária: "vazios" (brancos) ou "não-vazios" (não-brancos). Estes são depois conduzidos ao interior do museu, através de enormes portas giratórias. Rosemary recebeu um cartão "não-branco" e saiu numa direcção, Micah recebeu "brancos". A estranha dinâmica do "apartheid" começou a produzir os seus efeitos.
Uma vez lá dentro, Rosemary encontrou-se num corredor revestido com velhas e empalidecidas fotografias de antigos "passbooks", os documentos de identificação que os negros eram obrigados a ter na época do "apartheid". No fim do corredor está uma enorme fotografia em tamanho natural do quadro de classificação racial, um grupo de homens cujo trabalho consistia em distribuir às pessoas as suas identidades raciais estudando a largura dos seus narizes, a grossura dos lábios e, com um lápis, a leveza do cabelo.Micah desceu um corredor com fotografias de documentos de identificação de brancos e entreviu Rosemary através de uma rede metálica. Sorriram e acenaram um ao outro. "Não foi uma boa sensação", admitiria ele mais tarde. "A entrada para os negros estava mais congestionada e não tão bem arranjada como a do lado branco. No entanto, eu podia ver o que se estava a passar. Pude ver como se pode ter ciúme e inveja quando outras pessoas são tratadas melhor que nós".
Rosemary e Micah reencontraram-se rapidamente num "hall" e foram conduzidos às várias exposições e mostras. "À entrada somos levados sem rodeios à essência do que o 'apartheid' era, que é classificar e dividir pessoas", diz Till. O museu, como se poderia esperar, está cheio de símbolos poderosos, tanto de divisão como de força e unidade. "Há um contentor com três ou quatro metros de altura", explica Rosemary. "Está cheio de pequeninas pedras que representam as cores de todas as pessoas. Individualmente, elas são pequenas e insignificantes, mas juntas constituem um pilar forte."
"O museu é essencial"As exposições incluem artefactos do primeiro conflito entre colonos europeus e habitantes africanos indígenas, no séc. XVI. Há salas dedicadas ao Rivonia Treason Trial, no qual Mandela foi sentenciado a prisão perpétua, e à subida da consciência negra. Outras exposições incluem vídeos de alguns dos mais importantes discursos e uma poderosa mostra de um quarto que representa cada prisioneiro político enforcado por traição.
"Os audiovisuais são soberbos", diz Rosemary ao PÚBLICO. "Foi absolutamente espantoso ouvir o discurso do [ex-primeiro-ministro] Hendrik Verwoerd nas eleições de 1948. Nele, ele dizia a uma ululante audiência integralmente branca como a cada grupo racial seriam oferecidas oportunidades exactamente iguais. A diferença entre o que ele dizia e o que ele queria dizer deixou-me completamente mal-disposta." "É um museu bem preparado e gosto do filme de 20 minutos sobre a história do país", refere, por sua vez, Micah. "Aprendi coisas novas e vou recomendá-lo aos meus amigos. Mas achei que eles podiam ter posto tudo por ordem cronológica. Faria com que fosse mais fácil de seguir".
Algumas horas mais tarde, no fim da visita, Micah e Rosemary estavam profundamente impressionados. Ambos se tinham sentido tocados pelo que tinham visto, apesar da vivência muito distinta que cada um teve do "apartheid". Rosemary trabalhou no amplo movimento anti-"apartheid", enquanto Micah não tem qualquer memória real da dimensão política da vida sul-africana antes de 1994. "O museu é essencial", diz Rosemary. "É um testamento à desumanidade do homem. Não se acredita na desumanidade que foi legalizada e posta em prática."
Para Micah, as mostras são uma lembrança de uma parte feia da história do seu país que foi posta onde pertence - num museu. "Aconteceu e agora desapareceu", diz ele. E assim, Micah e Rosemary regressam à auto-estrada para Norte, de regresso à sua casa, numa unidade familiar acolhedora que simplesmente não teria sido possível há apenas uns anos atrás.