Shopping Cidade do Porto é ilegal
O processo foi instaurado pelo arquitecto José Pulido Valente, que viu, na primeira instância, ser-lhe dada razão quanto à ilegalidade em que havia sido construído aquele centro comercial. Os visados - a Câmara do Porto, que emitiu a licença, e o consórcio construtor liderado pela Soares da Costa - recorreram e, também no Supremo, viram cair por terra os seus argumentos.
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O processo foi instaurado pelo arquitecto José Pulido Valente, que viu, na primeira instância, ser-lhe dada razão quanto à ilegalidade em que havia sido construído aquele centro comercial. Os visados - a Câmara do Porto, que emitiu a licença, e o consórcio construtor liderado pela Soares da Costa - recorreram e, também no Supremo, viram cair por terra os seus argumentos.
A decisão judicial ainda não transitou em julgado, podendo os recorrentes suscitar a aclaração da sentença, pedindo mais esclarecimentos, ou até mesmo pedir a reforma do acórdão, algo que só poderia ser feito por um pleno de secções do próprio STA e no caso de haver outros acórdãos que entrassem em clara divergência com o que foi exarado a 7 de Fevereiro. Mas não será o caso. Por isso, pode dizer-se com propriedade, e em definitivo, que, quase dez anos depois, e após muitas polémicas e braços-de-ferro, o Cidade do Porto está em situação ilegal.
Recorde-se que este empreendimento esteve no centro de uma acesa polémica, que estalou em finais de 1992, entre a Câmara do Porto e a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCRN). Fernando Gomes, à data presidente da autarquia, Braga da Cruz, o presidente da comissão, e Ricardo Magalhães, o vice-presidente, envolveram-se em acesas trocas de palavras e acusações mútuas. Gomes dizia-se perseguido pela "extensão do Terreiro do Paço" que seria a CCRN (à data, o Governo era social-democrata) e saiu-se com a histórica frase "Não queremos uma cidade de pastorinhos e carneirinhos". A CCRN continuava a reclamar o facto de não ter sido consultada para o licenciamento de uma grande superfície comercial e foi a primeira a levantar a questão da violação do PDM, que previa para o local uma área desportiva.
As obras chegaram a ser embargadas e o "consenso" chegou com a criação de um "grupo de trabalho", que envolvia os técnicos da autarquia e da própria CCRN, e que haveria de alterar o PDM fazendo um plano de pormenor para a área - que não chegou a ser aprovado. Foi a apenas três semanas da inauguração do novo centro comercial que o vereador do Urbanismo, Gomes Fernandes, assinou o despacho da licença de construção, a 19 de Julho de 1994.
O assunto esmoreceu. Foi então que o arquitecto Pulido Valente, numa acção popular, accionou um processo no TACP com vista a impugnar o despacho que deferiu o licenciamento de construção do centro comercial do Bom Sucesso. A decisão saiu em Janeiro de 2001. "O acto recorrido [de passar uma licença de construção] ao permitir a construção de um edifício que apresenta um índice de ocupação volumétrica de 12m3/m2, como bem acentuou o sr. perito do recorrido no seu esclarecimento adicional, viola o regulamento do PDM em qualquer uma das suas versões, pelo que é nulo nos termos do disposto no art.º 52, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11. E também o viola por ter permitido a construção de um edifício de escritórios e comércio numa zona verde, à data, e actualmente numa zona cultural", sentenciou o TACP.
A câmara recorreu alegando que o regulamento do PDM não impunha que a parcela onde está construído o edifício em causa seja uma zona verde. A Soares da Costa argumentou com as alegações de Gomes Fernandes, na altura "número dois" de Fernando Gomes. Na resposta aos quesitos, o ex-vereador admitiu que no PDM do Porto "não existe nenhuma regra ou critério para o cálculo volumétrico, pelo que é à câmara municipal que compete, em juízo discricionário, estabelecer esse critério". E acrescentou que, "a entender-se o contrário, resultaria ofendido o princípio de igualdade, uma vez que os recorridos particulares veriam o empreendimento que promoveram ser objecto de um tratamento diferente e discriminatório em seu prejuízo relativamente ao que sempre foi, e é, dado pela Câmara do Porto e CCRN".
Além disso, durante o recurso discutiu-se longamente a legitimidade do arquitecto Pulido Valente usar do seu direito de acção popular, por "se encontrar singelamente reduzido a um interesse pela legalidade". A nenhum destes argumentos os magistrados do STA foram sensíveis, e por isso negaram provimento ao recurso. E quiseram mesmo sublinhar que os recorrentes nenhuma censura fizeram a outras partes da sentença que davam por violados outros preceitos legais invocados, do Regulamente Geral de Edificações Urbanas e do Decreto-Lei n.º 37575, de 8/10/49.