Câmara de Lisboa condenada por morte de duas crianças

Em 1998, a Provedoria de Justiça recomendou à autarquia que se disponibilizasse a efectuar o pagamento da indemnização à família das vítimas. Nessa altura, os pais quiseram chegar a acordo com a edilidade, mas esta preferiu deixar o processo ir a julgamento.“Se não fosse a Provedoria a avisar-nos nós não sabíamos que tínhamos direitos, porque a câmara durante quatro anos nunca se preocupou com a família das vítimas” declarou ao PÚBLICO o pai, Miguel Fernandes, que era pedreiro de profissão antes de um acidente de trabalho o incapacitar. “É chocante a falta de sensibilidade da câmara para com a morte de duas crianças e para com o sofrimento do irmão que assistiu à forma como os seus irmãos morreram”, desabafou o pai das vítimas.
A família das crianças afirma que sempre quis chegar a acordo com a câmara. “No primeiro dia do julgamento os advogados da câmara pediram um adiamento porque tinham convocado os pais das crianças para uma reunião para chegarem a um acordo, só que não avisaram o nosso advogado dessa intenção”, afirmou Miguel Fernandes. “Depois quando aparecemos no departamento jurídico da câmara com o nosso advogado recusaram-se a recebernos”, conta, indignado. “Se fossem filhos de alguém conhecido se calhar a câmara tinha-se preocupado pelo estado em que a família ficou”.
A Provedoria de Justiça, numa recomendação enviada para a Câmara de Lisboa em 6 de Julho de 1998, a que o PÚBLICO teve acesso, refere que a autarquia deverá assumir a disponibilidade de vir a efectuar o pagamento da indemnização aos pais dos menores falecidos, assim como ao irmão dos menores “pelos danos morais sofridos em consequência da profunda aflição sentida no momento da tragédia e do natural desgosto resultante da morte dos irmãos”.
Em 4 de Setembro de 2000, num ofício enviado pela autarquia à Provedoria de Justiça, é referido que quando os pais das vítimas foram convocados pela câmara de Lisboa a fim de se conhecerem as necessidades do agregado familiar “designadamente as da criança sobreviva que assistiu ao acidente, apareceram acompanhados pelo advogado que os patrocina na acção judicial que moveram contra a câmara, o que significa que, não tendo compreendido o gesto da câmara, será sua intenção tratar a questão no plano do processo que se encontra pendente em Tribunal”.

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Em 1998, a Provedoria de Justiça recomendou à autarquia que se disponibilizasse a efectuar o pagamento da indemnização à família das vítimas. Nessa altura, os pais quiseram chegar a acordo com a edilidade, mas esta preferiu deixar o processo ir a julgamento.“Se não fosse a Provedoria a avisar-nos nós não sabíamos que tínhamos direitos, porque a câmara durante quatro anos nunca se preocupou com a família das vítimas” declarou ao PÚBLICO o pai, Miguel Fernandes, que era pedreiro de profissão antes de um acidente de trabalho o incapacitar. “É chocante a falta de sensibilidade da câmara para com a morte de duas crianças e para com o sofrimento do irmão que assistiu à forma como os seus irmãos morreram”, desabafou o pai das vítimas.
A família das crianças afirma que sempre quis chegar a acordo com a câmara. “No primeiro dia do julgamento os advogados da câmara pediram um adiamento porque tinham convocado os pais das crianças para uma reunião para chegarem a um acordo, só que não avisaram o nosso advogado dessa intenção”, afirmou Miguel Fernandes. “Depois quando aparecemos no departamento jurídico da câmara com o nosso advogado recusaram-se a recebernos”, conta, indignado. “Se fossem filhos de alguém conhecido se calhar a câmara tinha-se preocupado pelo estado em que a família ficou”.
A Provedoria de Justiça, numa recomendação enviada para a Câmara de Lisboa em 6 de Julho de 1998, a que o PÚBLICO teve acesso, refere que a autarquia deverá assumir a disponibilidade de vir a efectuar o pagamento da indemnização aos pais dos menores falecidos, assim como ao irmão dos menores “pelos danos morais sofridos em consequência da profunda aflição sentida no momento da tragédia e do natural desgosto resultante da morte dos irmãos”.
Em 4 de Setembro de 2000, num ofício enviado pela autarquia à Provedoria de Justiça, é referido que quando os pais das vítimas foram convocados pela câmara de Lisboa a fim de se conhecerem as necessidades do agregado familiar “designadamente as da criança sobreviva que assistiu ao acidente, apareceram acompanhados pelo advogado que os patrocina na acção judicial que moveram contra a câmara, o que significa que, não tendo compreendido o gesto da câmara, será sua intenção tratar a questão no plano do processo que se encontra pendente em Tribunal”.

Indemnização desce para 30 mil contos

Agora, a Câmara de Lisboa foi condenada a pagar 38 mil contos de indemnização, mas decidiu recorrer da decisão do tribunal. Em troca da desistência da apresentação do recurso, a autarquia propôs indemnizar a família apenas em 30 mil contos. "A câmara e os meus constituintes chegaram a um acordo uma vez que o processo se arrastava há muito tempo e não queriam continuar a reviver constantemente os factos", declarou ao PÚBLICO Virgílio Brandão, advogado das vítimas. Quando questionado sobre as razões para a autarquia propor a redução da indemnização, o causídico ironizou: "A Câmara de Lisboa é pobre e não podia pagar mais".

Tribunal reconhece responsabilidade da câmara

No processo ficou provada a responsabilidade civil da Câmara de Lisboa em alguns factos que provocaram a morte dos menores.Segundo o texto da sentença proferida, recentemente, pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em 1985 foi concedida à empresa Consipor — empreendimentos imobiliários, proprietária do terreno, licença para trabalhos de escavação num terreno destinado à construção de um edifício particular na Avenida Sacadura Cabral, junto ao Centro Comercial Gemini e nas imediações da estação da CP do Campo Pequeno, que decorreram entre Agosto de 1985 e Julho de 1987, data em que foram interrompidos e não mais retomados.
Após várias prorrogações, a licença para trabalhos de escavação caducou em 1994. Mais tarde, em 2 de Agosto de 1995, a autarquia tentou notificar a empresa proprietária intimando-a a vedar o local e a proceder à limpeza do mesmo, não tendo, no entanto, sido possível notificá-la, por se desconhecer o exacto paradeiro dos seus legais representantes. No local, com ruínas e terras arenosas, formavam-se lagos com alguns metros de profundidade onde várias crianças brincavam com jangadas, encontrando-se o espaço acessível por deficiente vedação.
A 9 de Outubro de 1996, quando três irmãos — de seis, nove e onze anos — brincavam sobre uma jangada improvisada no meio do "lago", um dos rapazes caiu, pelo que outro lançou-se à água, na tentativa de o salvar, afogando-se também. O menino mais novo assistiu a tudo, impotente.
Após o acidente, em Dezembro desse ano, a autarquia mandou limpar o terreno e proceder ao aterro do lago, substituindo-se ao respectivo proprietário, tendo a zona circundante do local ficado totalmente vedada.
Entre a data em que a empresa foi notificada pela primeira vez para proceder à limpeza e vedação do terreno e a data em que a câmara se substituiu à empresa decorreram mais de três anos, embora as obras se encontrassem paralisadas há mais de nove anos.
No decorrer do processo, algumas testemunhas ouvidas afirmaram que foram enviados dois abaixo-assinados à CML a solicitar que fosse o vedado o espaço porque era habitual serem vistas crianças a brincar no lago durante o dia e à noite era um espaço de toxicodependentes e prostituição.
"Quanto ao grau de culpabilidade da ré, este não pode considerar-se leve, pese embora o facto de a culpa na produção do evento não lhe poder ser integralmente imputada, já que a dona do terreno também detém a sua quota parte de responsabilidade, porquanto durante cerca de 11 anos a câmara, enquanto entidade licenciadora e fiscalizadora de obras particulares, permitiu que no terreno onde o respectivo dono pretendia levar a efeito uma construção ficasse um enorme buraco", refere o texto da sentença.