Há 20 anos, Mitterrand prometia "mudar a vida"
Uma iniciativa do jornal "Le Monde", que publica hoje em suplemento a sua edição de 10 de Maio de 1981, serve de bitola às mudanças. "Esta vitória é a do respeito contra o desdém, do realismo contra a ilusão, da franqueza contra a manha, em resumo, é a vitória de uma certa moral", escrevia então o director do "Le Monde", Jacques Fauvet.
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Uma iniciativa do jornal "Le Monde", que publica hoje em suplemento a sua edição de 10 de Maio de 1981, serve de bitola às mudanças. "Esta vitória é a do respeito contra o desdém, do realismo contra a ilusão, da franqueza contra a manha, em resumo, é a vitória de uma certa moral", escrevia então o director do "Le Monde", Jacques Fauvet.
Conhecidos depois o cinismo, a prepotência e a imoralidade política e financeira dos anos Mitterrand, estas linhas fazem hoje sorrir. A tal ponto que o actual director, Jean-Marie Colombani, explica agora, nas colunas do seu jornal: "A 20 anos de distância, não se compreende nada deste 10 de Maio de 1981, das suas esperanças e das suas ilusões, se não revivermos o clima da época." Na altura, a França era dominada pela direita desde há 23 anos. A pena de morte fazia ainda funcionar a guilhotina. A economia obedecia a um dirigismo paternalista. E Paris via-se como um terceiro pólo internacional dentro da guerra fria entre Washington e Moscovo.
Mitterrand foi eleito com a promessa romântica de "mudar a vida". Chegou ao poder com um programa económico de inspiração marxista, e enfiou no governo quatro ministros comunistas do PC mais ortodoxo e enfeudado a Moscovo da toda a Europa. Foi quanto bastou para que doutos emissários americanos se julgassem autorizados a sondar Paris para averiguar as hipóteses de o exército derrubar um tão perigoso Executivo.
A esquerda começou por nacionalizar a indústria e a banca, mas a partir de 1983 François Mitterrand, secundado pelo seu ministro da Economia, Jacques Delors, dirige o país para o rigor económico da social-democracia. Este processo culmina em 1992 com a adopção dos restritivos critérios orçamentais e monetários de Maastricht, para a criação do euro.
Mas o balanço das reformas sociais de 14 anos de mitterrandismo é, decerto, impressionante: abolição da pena de morte, descentralização administrativa e política, reforma aos 60 anos, quinta semana de férias pagas, aumento substancial dos subsídios de solidariedade (velhice, invalidez, desemprego), diminuição do tempo de trabalho de 40 para 39 horas (hoje, a semana laboral é de 35 horas) e criação do RMI (rendimento mínimo de inserção) são agora traços constitutivos da sociedade francesa.
Quanto a Portugal, deve sem dúvida a François Mitterrand uma acérrima defesa da sua admissão a esse clube fechado que era a CEE.
Como os reis e os faraós, Mitterrand quis deixar na pedra a marca da sua passagem pela terra e pelo poder: a pirâmide do Louvre, a Ópera da Bastilha, bem como a Grande Biblioteca e o Grande Arco da Défense, são obras escolhidas pelo simples querer do "príncipe".
O fim do mitterrandismo será marcado pelos escândalos político-financeiros, e pelas revelações sobre o passado de Mitterrand - ambíguo, na sua filiação conservadora, como nas omissões de certos compromissos. Ambíguo, mas quão revelador, também, na orientação de toda a sua vida para satisfazer uma sede absoluta de poder.
Amigos como inimigos estão ainda hoje subjugados pelo fascínio da personagem. Os primeiros, caninamente hagiográficos. Os segundos, torcidos com a raiva das ilusões perdidas na "traição" mitterrandista. E, soberano, acima de todos, o próprio defunto. "Ressuscitado" por obra e graça da televisão, o antigo Presidente da República "fala" quatro noites de seguida em casa dos franceses. O documentário, filmado entre 1993 e 1995, rememora a todos a incontestável superioridade intelectual de François Mitterrand, a precisão do verbo, e uma visão política que não tem equivalente. Independentemente, ou talvez por causa, das suas ambiguidades.