«Ganhar a Vida» em França para voltar à terra natal

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Rita Blanco tem em "Ganhar a Vida" um dos grandes papéis da sua carreira DR

"Ganhar a Vida" decorre no meio da comunidade portuguesa em França, que vive na "banlieue" parisiense, em bairros incaracterísticos, semelhantes aos que se observam em "Ódio" de Mathieu Kassovitz (já exibido em Portugal).Um mundo que, segundo a nota de intenções de João Canijo, "se define pela desconfiança e recusa da diferença, uma comunidade de pessoas isoladas que não comunicam nem se entendem, gente que se esconde com medo de se mostrar aos outros, gente que não se relaciona com os vizinhos".
Cidália, interpretada por Rita Blanco (que volta assim a trabalhar com João Canijo, com quem iniciou o seu percurso de actriz há 15 anos), tem 36 anos, é portuguesa e vive com o marido, a irmã e os dois filhos. A vida de Cidália, tal como a de tantas outras portuguesas radicadas em França, resume-se ao "boulot" árduo nas limpezas, à poupança de todos os tostões, guardados religiosamente para construir o "pavillion", quando um dia, que não se sabe quando e parece sempre que nunca chega, voltar a Portugal.
Mas numa madrugada fria, Cidália recebe um "coup de fil" no trabalho. Não se houve voz, não se sabe o que se passou, mas ela sai disparada e conduz violentamente, com a câmara a fixá-la obsessivamente em cada pormenor dramático do seu rosto. O filho mais velho, a quem ela pedira para regressar a casa cedo, morreu, alegadamente assassinado pela polícia.
A partir daí, a vida de Cidália transforma-se. Inconformada com as explicações oficiais e com a passividade da comunidade e da sua própria família, Cidália revolta-se e quebra a lei do silêncio em que se escondem os "tugas", com medo de represálias e xenofobias. Ao revoltar-se contra tudo e todos, num caminho de expiação da morte do seu filho, Cidália vai ganhar verdadeiramente a vida, na redenção da água do Sena e da chuva parisiense.
A imagem que "Ganhar a Vida" dá da comunidade portuguesa é a de um conjunto de pessoas que, além de perdidas num espaço, estão também perdidas no tempo e na própria língua. As raízes perderam-se mas não foi feito um esforço de integração. Os portugueses como que se esfumam, numa tentativa de não chamar a atenção. Este sentimento fantasmagórico é transmitido não só pelas acções, mas também pela imagem que Canijo dá dos lugares e das personagens, frequentemente desfocada e granulada.
A noção que guardam de Portugal é a de um país salazarento, atrasado, em que impera Fátima, o futebol, o folclore e a música pimba. A comunidade portuguesa une-se precisamente em torno desses ícones: a missa, a imagem da santinha na estante da sala, a voz de Isabel Angelino que se ouve na televisão a entrevistar Os Anjos, os golos do futebol transmitido no café da Maria, o "Continua chamando-me assim bebé" da Romana, a primeira comunhão dos filhos mais novos, os bailaricos.
Mas esse não pertencer a parte alguma transmite-se sobretudo pelo "françuguês", uma língua corrente em que se entendem na perfeição e que mistura as frases em Português com as palavras em Francês. Não falam o Francês fluentemente, mas também já não conseguem falar a Língua Portuguesa sem pôr uns "mots" à mistura. A identidade perdeu-se, ganhar a vida é difícil, sobretudo quando não se vive, se sobrevive apenas "num triste fado", numa esperança de um dia conquistar um céu, uma vida, num regresso a Portugal que não se vislumbra no horizonte.
A anteestreia do filme foi ontem em Lisboa. O público aplaudiu calorosamente actores e realizador no final. Canijo deixou apenas uma dedicatória. "Dedico este filme a todos os emigrantes franceses e à grande dedicação e generosidade da Rita [que tem em "Ganhar a Vida" certamente um dos papéis da sua carreira]. Os emigrantes mereceram a Rita".

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"Ganhar a Vida" decorre no meio da comunidade portuguesa em França, que vive na "banlieue" parisiense, em bairros incaracterísticos, semelhantes aos que se observam em "Ódio" de Mathieu Kassovitz (já exibido em Portugal).Um mundo que, segundo a nota de intenções de João Canijo, "se define pela desconfiança e recusa da diferença, uma comunidade de pessoas isoladas que não comunicam nem se entendem, gente que se esconde com medo de se mostrar aos outros, gente que não se relaciona com os vizinhos".
Cidália, interpretada por Rita Blanco (que volta assim a trabalhar com João Canijo, com quem iniciou o seu percurso de actriz há 15 anos), tem 36 anos, é portuguesa e vive com o marido, a irmã e os dois filhos. A vida de Cidália, tal como a de tantas outras portuguesas radicadas em França, resume-se ao "boulot" árduo nas limpezas, à poupança de todos os tostões, guardados religiosamente para construir o "pavillion", quando um dia, que não se sabe quando e parece sempre que nunca chega, voltar a Portugal.
Mas numa madrugada fria, Cidália recebe um "coup de fil" no trabalho. Não se houve voz, não se sabe o que se passou, mas ela sai disparada e conduz violentamente, com a câmara a fixá-la obsessivamente em cada pormenor dramático do seu rosto. O filho mais velho, a quem ela pedira para regressar a casa cedo, morreu, alegadamente assassinado pela polícia.
A partir daí, a vida de Cidália transforma-se. Inconformada com as explicações oficiais e com a passividade da comunidade e da sua própria família, Cidália revolta-se e quebra a lei do silêncio em que se escondem os "tugas", com medo de represálias e xenofobias. Ao revoltar-se contra tudo e todos, num caminho de expiação da morte do seu filho, Cidália vai ganhar verdadeiramente a vida, na redenção da água do Sena e da chuva parisiense.
A imagem que "Ganhar a Vida" dá da comunidade portuguesa é a de um conjunto de pessoas que, além de perdidas num espaço, estão também perdidas no tempo e na própria língua. As raízes perderam-se mas não foi feito um esforço de integração. Os portugueses como que se esfumam, numa tentativa de não chamar a atenção. Este sentimento fantasmagórico é transmitido não só pelas acções, mas também pela imagem que Canijo dá dos lugares e das personagens, frequentemente desfocada e granulada.
A noção que guardam de Portugal é a de um país salazarento, atrasado, em que impera Fátima, o futebol, o folclore e a música pimba. A comunidade portuguesa une-se precisamente em torno desses ícones: a missa, a imagem da santinha na estante da sala, a voz de Isabel Angelino que se ouve na televisão a entrevistar Os Anjos, os golos do futebol transmitido no café da Maria, o "Continua chamando-me assim bebé" da Romana, a primeira comunhão dos filhos mais novos, os bailaricos.
Mas esse não pertencer a parte alguma transmite-se sobretudo pelo "françuguês", uma língua corrente em que se entendem na perfeição e que mistura as frases em Português com as palavras em Francês. Não falam o Francês fluentemente, mas também já não conseguem falar a Língua Portuguesa sem pôr uns "mots" à mistura. A identidade perdeu-se, ganhar a vida é difícil, sobretudo quando não se vive, se sobrevive apenas "num triste fado", numa esperança de um dia conquistar um céu, uma vida, num regresso a Portugal que não se vislumbra no horizonte.
A anteestreia do filme foi ontem em Lisboa. O público aplaudiu calorosamente actores e realizador no final. Canijo deixou apenas uma dedicatória. "Dedico este filme a todos os emigrantes franceses e à grande dedicação e generosidade da Rita [que tem em "Ganhar a Vida" certamente um dos papéis da sua carreira]. Os emigrantes mereceram a Rita".