Crítica
Godzilla
Era o "blockbuster" anunciado do ano, preparado para arrasar bilheteiras com um simples movimento de cauda. Era assim, pelo menos, que as coisas estavam previstas, mas como a arte de encher cinemas ainda não é totalmente dominada pelo homem (nem mesmo pelo mais predador dos produtores americanos) qualquer coisa falhou em "Godzilla" que o impediu de consumar a "dominação mundial" com a amplitude esperada. Arriscaríamos uma explicação: é que "Godzilla", para o dizer curto e bem, é chatíssimo, e parece provar que nem neste género de filmes a maior colecção de efeitos especiais ou a mais barulhenta das bandas sonoras serve para embrulhar uma má história mal contada. "Godzilla" nasce da imaginação (?) da dupla Dean Devlin/Roland Emmerich, responsáveis por um dos maiores sucessos dos últimos anos, "O Dia da Independência". Posta de parte a hipótese de uma sequela (seria demasiado ridículo) punha-se a questão de como dobrar o sucesso obtido por esse filme, repetindo em termos básicos a receita e mudando apenas as circunstâncias. É então que alguém se lembra de "Godzilla", esse clássico da ficção científica de tendência mais "kitsch", nascido no Japão nos anos 50 como sublimação dos traumas e dos medos atómicos do pós-Hiroshima. Com um pouco de recontextualização (ou seja, atirar as culpas para os franceses e fazer o lagarto resultar de mutações genéticas provocadas pelos testes nucleares no atol de Muroroa) Godzilla estaria "actualizado" de forma convincente, e apto a puxar pelas cordas mais sensíveis do público contemporâneo. Sobretudo, serviria para, depois de "O Dia da Independência", voltar a colocar em risco a existência do mundo e da humanidade. Mas as ideias não abundaram a Devlin e Emmerich, respectivamente produtor e realizador, e também co-autores do argumento. Para lá da detalhadíssima explicação da origem do réptil (como se a plausibilidade fosse um "surplus") parecem ter tido apenas uma ideia: Godzilla havia de se refugiar em Nova Iorque e colocar a "big apple" em primeiro lugar na sua agenda de destruição. Por uma de várias razões possíveis (ou por todas juntas): se a ameaça caísse sobre Tóquio, o público americano estar-se-ia nas tintas; Nova Iorque é mais fotogénica e tem melhores cenários do que Los Angeles; Hollywood pela-se por fazer Nova Iorque passar maus bocados. Dê lá por onde der, a fórmula-chave aqui era "Godzilla + Nova Iorque"; o resto estaria a cargo dos departamentos técnicos. Devlin e Emmerich esqueceram-se assim de uma das coisas que tornava suportável "O Dia da Independência": o humor e o sentido de auto-paródia. Tudo em "Godzilla" é para ser levado muito a sério, os apartes cómicos (poucos) são apenas isso, apartes, e passam quase sempre pelo recorte caricatural de uma ou outra personagem (em especial a do "mayor" de Nova Iorque, a cargo de Michael Lerner). Por muitos que sejam os medos contemporâneos, será que alguém pode sentir a mais leve angústia ao ver um lagarto gigante às patadas pelas ruas de Nova Iorque? E esta sisudez até é levada a extremos bastante próximos do ridículo quando se acentua a mensagem "ecológica": Godzilla, diz-nos o filme, não é um monstro mas um animal como os outros, que não tem culpa das suas dimensões e, para cúmulo, possui um instinto maternal bastante desenvolvido(!). Não deixa, por causa disso, de ter que ser exterminado, numa cena (a morte do animal) que é um pequeno e ridículo apogeu desta vertente "sentimentalista": é preciso ver, para crer, o descabelado pormenor melodramático do piscar de olhos em grande plano de Godzilla, acompanhado pelo eco das batidas do coração cada vez mais fracas. Em resumo, faltam ideias, falta talento, sobra aborrecimento. A partir de certa altura (quase toda a segunda metade do filme) "Godzilla" transforma-se em "Aliens" sem o sentido que James Cameron lhe conferia. As personagens fogem das crias do lagarto pelos corredores do Madison Square Garden, sem que se note da parte de Emmerich qualquer preocupação com o tratamento do espaço e do tempo. É o momento em que, certamente por desespero, "Godzilla" se transforma num banalíssimo filme de acção, igual a dúzias de outros. E é junto deles que fica bem
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Era o "blockbuster" anunciado do ano, preparado para arrasar bilheteiras com um simples movimento de cauda. Era assim, pelo menos, que as coisas estavam previstas, mas como a arte de encher cinemas ainda não é totalmente dominada pelo homem (nem mesmo pelo mais predador dos produtores americanos) qualquer coisa falhou em "Godzilla" que o impediu de consumar a "dominação mundial" com a amplitude esperada. Arriscaríamos uma explicação: é que "Godzilla", para o dizer curto e bem, é chatíssimo, e parece provar que nem neste género de filmes a maior colecção de efeitos especiais ou a mais barulhenta das bandas sonoras serve para embrulhar uma má história mal contada. "Godzilla" nasce da imaginação (?) da dupla Dean Devlin/Roland Emmerich, responsáveis por um dos maiores sucessos dos últimos anos, "O Dia da Independência". Posta de parte a hipótese de uma sequela (seria demasiado ridículo) punha-se a questão de como dobrar o sucesso obtido por esse filme, repetindo em termos básicos a receita e mudando apenas as circunstâncias. É então que alguém se lembra de "Godzilla", esse clássico da ficção científica de tendência mais "kitsch", nascido no Japão nos anos 50 como sublimação dos traumas e dos medos atómicos do pós-Hiroshima. Com um pouco de recontextualização (ou seja, atirar as culpas para os franceses e fazer o lagarto resultar de mutações genéticas provocadas pelos testes nucleares no atol de Muroroa) Godzilla estaria "actualizado" de forma convincente, e apto a puxar pelas cordas mais sensíveis do público contemporâneo. Sobretudo, serviria para, depois de "O Dia da Independência", voltar a colocar em risco a existência do mundo e da humanidade. Mas as ideias não abundaram a Devlin e Emmerich, respectivamente produtor e realizador, e também co-autores do argumento. Para lá da detalhadíssima explicação da origem do réptil (como se a plausibilidade fosse um "surplus") parecem ter tido apenas uma ideia: Godzilla havia de se refugiar em Nova Iorque e colocar a "big apple" em primeiro lugar na sua agenda de destruição. Por uma de várias razões possíveis (ou por todas juntas): se a ameaça caísse sobre Tóquio, o público americano estar-se-ia nas tintas; Nova Iorque é mais fotogénica e tem melhores cenários do que Los Angeles; Hollywood pela-se por fazer Nova Iorque passar maus bocados. Dê lá por onde der, a fórmula-chave aqui era "Godzilla + Nova Iorque"; o resto estaria a cargo dos departamentos técnicos. Devlin e Emmerich esqueceram-se assim de uma das coisas que tornava suportável "O Dia da Independência": o humor e o sentido de auto-paródia. Tudo em "Godzilla" é para ser levado muito a sério, os apartes cómicos (poucos) são apenas isso, apartes, e passam quase sempre pelo recorte caricatural de uma ou outra personagem (em especial a do "mayor" de Nova Iorque, a cargo de Michael Lerner). Por muitos que sejam os medos contemporâneos, será que alguém pode sentir a mais leve angústia ao ver um lagarto gigante às patadas pelas ruas de Nova Iorque? E esta sisudez até é levada a extremos bastante próximos do ridículo quando se acentua a mensagem "ecológica": Godzilla, diz-nos o filme, não é um monstro mas um animal como os outros, que não tem culpa das suas dimensões e, para cúmulo, possui um instinto maternal bastante desenvolvido(!). Não deixa, por causa disso, de ter que ser exterminado, numa cena (a morte do animal) que é um pequeno e ridículo apogeu desta vertente "sentimentalista": é preciso ver, para crer, o descabelado pormenor melodramático do piscar de olhos em grande plano de Godzilla, acompanhado pelo eco das batidas do coração cada vez mais fracas. Em resumo, faltam ideias, falta talento, sobra aborrecimento. A partir de certa altura (quase toda a segunda metade do filme) "Godzilla" transforma-se em "Aliens" sem o sentido que James Cameron lhe conferia. As personagens fogem das crias do lagarto pelos corredores do Madison Square Garden, sem que se note da parte de Emmerich qualquer preocupação com o tratamento do espaço e do tempo. É o momento em que, certamente por desespero, "Godzilla" se transforma num banalíssimo filme de acção, igual a dúzias de outros. E é junto deles que fica bem