Jaime
"Jaime" assinala o regresso de António-Pedro Vasconcelos à realização cinematográfica, quase dez anos depois da aventura de "Aqui d?el Rey". É um regresso ambicioso, em coerência com aquele que tem sido o "programa" de António-Pedro Vasconcelos pelo menos desde meados da década de 80 e do fenómeno "O Lugar do Morto", o filme que, graças ao seu (então) inédito sucesso de bilheteira, se tornou uma espécie de "símbolo" de uma mítica possibilidade de encontro entre o cinema português e os seus espectadores. Entretanto, e mais recentemente, esse "encontro" tornou-se mais comum, muito por causa da entrada em cena de novos elementos na cadeia de produção e promoção dos filmes ? a SIC, essencialmente ?, conjugada com o "killer instinct" demonstrado por um produtor como Tino Navarro. "Jaime" sabe-o e, enquanto projecto comercial, levou esses "dados novos" em conta até ao mais pequeno pormenor. Da participação da SIC ? que garante, à partida, as dezenas de milhares de espectadores não-habituais necessárias para fazer de qualquer filme, português ou não, um grande sucesso comercial ? à criação de "produtos" paralelos, capazes de "prolongar" o filme noutras áreas e noutros "media" ? a canção-tema, a cargo de um artista tão divulgado como Rui Veloso, será disso um óptimo exemplo. Evidentemente, essas ambições passam também pelo "interior" de "Jaime" ? ou de outra maneira, pelo seu cinema ? e, em última análise, são elas que lhe definem todas as opções seja no plano temático seja no plano formal. Em primeiro lugar há a questão do argumento (assinado por Carlos Saboga), profissionalíssimo, que se preocupa tanto com a organização da narrativa e sucessão das suas peripécias como com a gestão, antecipada, da reacção do espectador a elas, sendo este último factor o determinante. Pelo menos tão determinante como a escolha de um tema genérico ? o trabalho infantil ? como locomotiva "social" e caução de "realismo": "Jaime" quer-se directamente relacionado com um contexto socio-cultural preciso, e nesse sentido é a ideia de "mostrar" que o comanda. Depois há a relação do filme com esse argumento e com esse tema. E aqui dir-se-ia que começam as contradições que impedem que "Jaime", enquanto projecto de cinema, chegue a bom porto. Parece claro que todas estas condicionantes funcionam como um espartilho ? são "regras", estão lá para "regulamentar" ? dentro do qual António-Pedro Vasconcelos tem dificuldades para se movimentar, mesmo que tenha sido ele próprio a escolher muitos dos termos desse espartilho. A questão do realismo, por exemplo, salta à vista. Para lá de uma eventual justeza sociológica ao nível factual, aquilo que se vê acaba por ser um realismo bastante mitigado e codificado, bem próximo do famigerado realismo de telenovela: ou seja, de superfícies polidas e mesmo brilhantes, porque a palavra de ordem nunca pode ser incomodar o espectador mas precisament e o contrário disso. E nem sequer se pode falar de uma derivação feita a partir dos princípios neo-realistas, apesar das evidentes proximidades entre "Jaime" e o "Aniki- Bóbó" de Manoel de Oliveira, e de António - Pedro Vasconcelos citar Rossellinino "dossier" de apresentação do filme. Há um efeito curiosamente aplanador em "Jaime" ? se Rossellini fez o seu "Roma Cidade Aberta", este seria um "Porto, Cidade Fechada" ? consequência de ele também, ou se calhar sobretudo, ser uma estratégia comercial "in motion", o que lhe retira quaisquer hipóteses de profundidade no que a essa dimensão social diz respeito.
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"Jaime" assinala o regresso de António-Pedro Vasconcelos à realização cinematográfica, quase dez anos depois da aventura de "Aqui d?el Rey". É um regresso ambicioso, em coerência com aquele que tem sido o "programa" de António-Pedro Vasconcelos pelo menos desde meados da década de 80 e do fenómeno "O Lugar do Morto", o filme que, graças ao seu (então) inédito sucesso de bilheteira, se tornou uma espécie de "símbolo" de uma mítica possibilidade de encontro entre o cinema português e os seus espectadores. Entretanto, e mais recentemente, esse "encontro" tornou-se mais comum, muito por causa da entrada em cena de novos elementos na cadeia de produção e promoção dos filmes ? a SIC, essencialmente ?, conjugada com o "killer instinct" demonstrado por um produtor como Tino Navarro. "Jaime" sabe-o e, enquanto projecto comercial, levou esses "dados novos" em conta até ao mais pequeno pormenor. Da participação da SIC ? que garante, à partida, as dezenas de milhares de espectadores não-habituais necessárias para fazer de qualquer filme, português ou não, um grande sucesso comercial ? à criação de "produtos" paralelos, capazes de "prolongar" o filme noutras áreas e noutros "media" ? a canção-tema, a cargo de um artista tão divulgado como Rui Veloso, será disso um óptimo exemplo. Evidentemente, essas ambições passam também pelo "interior" de "Jaime" ? ou de outra maneira, pelo seu cinema ? e, em última análise, são elas que lhe definem todas as opções seja no plano temático seja no plano formal. Em primeiro lugar há a questão do argumento (assinado por Carlos Saboga), profissionalíssimo, que se preocupa tanto com a organização da narrativa e sucessão das suas peripécias como com a gestão, antecipada, da reacção do espectador a elas, sendo este último factor o determinante. Pelo menos tão determinante como a escolha de um tema genérico ? o trabalho infantil ? como locomotiva "social" e caução de "realismo": "Jaime" quer-se directamente relacionado com um contexto socio-cultural preciso, e nesse sentido é a ideia de "mostrar" que o comanda. Depois há a relação do filme com esse argumento e com esse tema. E aqui dir-se-ia que começam as contradições que impedem que "Jaime", enquanto projecto de cinema, chegue a bom porto. Parece claro que todas estas condicionantes funcionam como um espartilho ? são "regras", estão lá para "regulamentar" ? dentro do qual António-Pedro Vasconcelos tem dificuldades para se movimentar, mesmo que tenha sido ele próprio a escolher muitos dos termos desse espartilho. A questão do realismo, por exemplo, salta à vista. Para lá de uma eventual justeza sociológica ao nível factual, aquilo que se vê acaba por ser um realismo bastante mitigado e codificado, bem próximo do famigerado realismo de telenovela: ou seja, de superfícies polidas e mesmo brilhantes, porque a palavra de ordem nunca pode ser incomodar o espectador mas precisament e o contrário disso. E nem sequer se pode falar de uma derivação feita a partir dos princípios neo-realistas, apesar das evidentes proximidades entre "Jaime" e o "Aniki- Bóbó" de Manoel de Oliveira, e de António - Pedro Vasconcelos citar Rossellinino "dossier" de apresentação do filme. Há um efeito curiosamente aplanador em "Jaime" ? se Rossellini fez o seu "Roma Cidade Aberta", este seria um "Porto, Cidade Fechada" ? consequência de ele também, ou se calhar sobretudo, ser uma estratégia comercial "in motion", o que lhe retira quaisquer hipóteses de profundidade no que a essa dimensão social diz respeito.