ICAM reduz a metade subsídio de João César Monteiro
Branca de Neve não custou 270 mil contos como estava previsto no orçamento inicial apresentado pelo produtor Paulo Branco, mas cerca de metade. Este texto foi publicado a 9 de Novembro de 2000, dia anterior à estreia de Branca de Neve.
Este texto foi publicado a 9 de Novembro de 2000, dia anterior à estreia de Branca de Neve.
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Este texto foi publicado a 9 de Novembro de 2000, dia anterior à estreia de Branca de Neve.
O filme de João César Monteiro, Branca de Neve, não custou 270 mil contos como estava previsto no orçamento inicial apresentado pelo produtor Paulo Branco, da Madragoa Filmes, mas cerca de metade deste montante, ou seja, 130 mil contos. Por isso - e como consta no regulamento de Apoio Financeiro Directo à Produção Cinematográfica - o Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM), que se compromete a subsidiar até metade do orçamento dos filmes que concorrem nessa categoria, só vai contribuir com cerca de 60 mil contos, afirmou ao PÚBLICO Pedro Behran da Costa, presidente do ICAM.
Diminui assim a verba inicialmente apontada como contribuição do instituto (130 mil contos), bem como a verba com que a RTP participa na produção cinematográfica, que oscila entre 20 a 50 por cento do apoio do ICAM.
As contas foram feitas depois de o instituto ter recebido ontem o relatório de contas da Madragoa, um dos trâmites obrigatórios do processo de apoio, e que vai ser sujeito a análise, por estar ainda em fase de apreciação. O mais provável é que Paulo Branco devolva ao ICAM o excedente de dinheiro que recebeu com base na previsão inicial, ou seja, segundo Behran da Costa, "provavelmente metade" da verba recebida.
Isto acontece nas vésperas da estreia comercial de um filme que vem criando polémica, já que, tratando-se de uma adaptação da peça do escritor suíço Robert Walser, César Monteiro optou por filmar imagem negra, sem figuração, sem décores, só com as vozes dos actores a lerem o texto. Já foi designado de "filme radiofónico".
Segundo o presidente do ICAM, esta aposta estética só foi conhecida pelo instituto "numa fase muita avançada da produção, numa altura em que não fazia sentido sujeitar o projecto a nova apreciação". É que uma das obrigações do requerente é informar o ICAM de eventuais alterações para ter o aval do instituto.
Também a Comissão Técnica, que seleccionou Branca de Neve de entre cinco a projectos a concurso, não encontrou, naquilo que leu, "qualquer referência" ao facto de, ao longo de 70 minutos, a imagem ser quase totalmente a cinzento, contou ao PÚBLICO Pedro Bandeira Freire, um dos membros da Comissão. E sublinha que a candidatura preenchia todos os critérios objectivos previstos no regulamento do Apoio Directo, que está, aliás, a ser alvo de um estudo para eventuais alterações.
Pedro Berhan da Costa afirma, no entanto, que não cabe ao ICAM pronunciar-se sobre as questões que esta experiência de César Monteiro levanta: "Não fazemos qualquer juízo de valor sobre o filme do ponto de vista artístico e estético".
Contactado pelo PÚBLICO para comentar a polémica, e depois do silêncio de alguns produtores que só falam "depois de ver o filme", o cineasta João Mário Grilo diz que embora não tenha visto "Branca de Neve", tem "grande expectativa" em relação a um projecto que "está à altura do cineasta que o desenvolveu". Insurge-se contra os que se indignam com a característica peculiar da obra, ainda mais num país "onde a imagem e o som do audiovisual é tão pobre". E defende que o que é importante é que "o programa do filme seja coerente". Acrescenta: "Acho estranho que no ano 2000 haja esta polémica quando toda a arte do século XX se fez com gestos da mesma família".
Quanto à questão dos montantes gastos ou não gastos, Grilo, que considera essa "uma má questão", diz que "um filme negro pode ser mais caro do que qualquer outro", sublinhando que o importante é "o valor patrimonial das obras". E conclui: "A arte precisa disto, pôr as pessoas à volta dela. A polémica é um sintoma disto, é excelente, é fantástico".
O PÚBLICO contactou o produtor do filme, mas Paulo Branco recusou-se a prestar declarações.
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