"Cada país tem o César que merece". Fernando Lopes e Bénard da costa reagem à polémica César Monteiro/António-Pedro Vasconcelos
Depoimentos de Fernando Lopes e Bénard da Costa sobre caso César Monteiro-Vasconcelos. Este texto foi publicado no PÚBLICO a 21 de Setembro de 1992.
Este texto foi publicado no PÚBLICO a 21 de Setembro de 1992.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Este texto foi publicado no PÚBLICO a 21 de Setembro de 1992.
O director da Cinemateca lamenta as afirmações de César Monteiro, e diz: "Não posso policiar as opiniões de ninguém". Fernando Lopes não vai "perder tempo" a processá-lo, mas apoia António-Pedro Vasconcelos. "Cada país tem o César que merece", diz.
"Eu não aplaudi as afirmações de João César Monteiro. Aplaudi o filme e o cineasta, como faço sempre em circunstâncias idênticas, quando há uma antestreia na Cinemateca com a presença do realizador, independentemente de qualquer posição pessoal sobre as obras ou as pessoas", disse ontem ao PÚBLICO João Bénard da Costa, a propósito do ocorrido na passada quinta-feira na Cinemateca Portuguesa, quando o realizador João César Monteiro aproveitou a antestreia do seu mais recente filme, O Último Mergulho, para criticar violentamente o realizador António-Pedro de Vasconcelos, presidente do Secretariado Nacional do Audiovisual. E acrescentou: "Logo no dia seguinte telefonei a António-Pedro de Vasconcelos para lhe dizer isto mesmo e lamentar o sucedido".
Por isso, para o director da Cinemateca, não há razões para se esperar dele qualquer "explicação pública", como pretende (ver PÚBLICO de ontem) António-Pedro de Vasconcelos: "Compreendo, obviamente, que ele tenha ficado ofendido com as acusações de César Monteiro, porque eu, se estivesse no lugar dele, também ficaria. Só que eles são maiores e vacinados e eu não posso policiar as opiniões de ninguém: cada pessoa é livre de dizer o que quiser e arcar com as responsabilidades consequentes". No entanto, Bénard da Costa disse-nos que, pessoalmente, considera "lamentáveis" as afirmações do realizador João César Monteiro: "Pela circunstância, pela forma e pelos termos em que foram feitas". Sobre o seu conteúdo, não se pronuncia: "Pela minha posição, como director da Cinemateca Portuguesa, não me meto nas questões que dividem os cineastas portugueses".
Fernando Lopes: "Cada país tem o César que merece"
"Processar o César, eu?! Não vou perder tempo. Ele, coitado, está apenas a ser o aguadeiro de tipos que não têm coragem para dar a cara", disse ontem ao PÚBLICO o realizador Fernando Lopes, comentando as afirmações de João César Monteiro publicadas na nossa edição de domingo. Considerando que se está perante "um folhetim lamentável para todos nós", Fernando Lopes lembra que as suas divergências com os projectos de António-Pedro Vasconcelos para o audiovisual português "são públicas e notórias" e, por isso, não percebe como é que César Monteiro o acusa de integrar uma troika com o presidente do Secretariado Nacional do Audiovisual. O realizador de Uma Abelha na Chuva mostrou-se igualmente "espantado" com a "hipocrisia" de César Monteiro em relação a Manoel Oliveira, recordando que "há cerca de seis meses ele [César Monteiro] deu uma entrevista ao Libération na qual denegria Oliveira". Transcrita pelo PÚBLICO na edição de 5 de Março passado, César Monteiro considerava, na entrevista àquele diário francês, que Oliveira era "um cérebro limitado" e acrescentava: "As suas reflexões filosóficas fazem-me rir".
"Quanto a ter-me chamado 'aguadeiro', é uma coisa que não me ofende nada! Não me importei nada de ter sido o aguadeiro para o filme dele, Recordações da Casa Amarela, uma vez que fui eu que lhe arranjei o dinheiro para ele o fazer, e sobre O Último Mergulho, para o qual eu também fui aguadeiro, só não digo nada porque ainda não o vi", afirmou-nos ainda Fernando Lopes. "O que é pena é que o César tem de facto talento, embora não tenha aquele que julga ter. Mas cada país tem o César que merece. Ele será, no máximo, uma versão menor de Luiz Pacheco. Mas mesmo que fosse Bataille, Céline ou Sade, não pode ter o direito de, impunemente, insultar quem lhe apetece. E por isso não posso deixar de apoiar António-Pedro de Vasconcelos", acrescentou.
"Mas o que mais me irrita nisto tudo é que, mais uma vez, César Monteiro acabará por apresentar um atestado médico de inimputabilidade e há pessoas que, sabendo desta fragilidade, insistem em espicaçá-lo para ele dizer estas coisas. Sem darem a cara: é que o César, ao menos, dá a cara", diz Fernando Lopes. Ontem mesmo, confrontámos César Monteiro com a sua entrevista ao Libération, na qual o realizador diz não ver "qualquer contradição ou hipocrisia: eu também disse nessa entrevista que Oliveira é o maior cineasta português, como já venho dizendo há muito tempo, em textos que escrevi em 1975/76, sobre A Caça, por exemplo, ou Acto da Primavera. O que não quer dizer que goste de tudo: há uma parte retórica nele que me desagrada, quando ele se transforma em carpideira filosófica preocupada com os pecados do mundo".
Aproveitou para dizer que só justificava o nosso interesse em confrontá-lo com esta questão por sermos "um jornal cavaquista". E contra-ataca: "Fernando Lopes não queria financiar a série sobre Os Quatro Elementos porque queria gastar 400 mil contos numa série do Fonseca e Costa. Quanto ao IPC, recebi até agora 80 mil contos para quatro filmes". Já depois destas afirmações, tentámos falar de novo com Fernando Lopes, não o tendo conseguido. César Monteiro disse-nos também que segue hoje para Paris e que tem garantidos "dois anos de trabalho lá. Portanto, dinheiro não haverá para o sr. Vasconcelos e se a coisa der 'prisa' eu não me importo. As prisões portuguesas costumam ser locais sossegados". O PÚBLICO ouviu, ontem, o realizador José Fonseca e Costa (igualmente visado por afirmações de César Monteiro) que se recusou a fazer qualquer declaração sobre o assunto.