Polémica César Monteiro/António-Pedro Vasconcelos: "Querem estrangular à nascença os novos Oliveiras portugueses"

Polémica entre o cineasta João César Monteiro e o presidente do Secretariado Nacional do Audiovisual António-Pedro Vasconcelos.

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Montagem PÚBLICO

Texto publicado no PÚBLICO em 20 de Setembro de 1992.

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Texto publicado no PÚBLICO em 20 de Setembro de 1992.

João César Monteiro mantém as acusações ao presidente do Secretariado Nacional do Audiovisual e promete continuar até à demissão de António-Pedro Vasconcelos. "Alguém tinha de fazer isto", justifica. O visado confirma que vai processar César Monteiro e continua à espera de que o director da Cinemateca "explique publicamente" os seus aplausos.

"Chegou-se a um estado de coisas em que são os criminosos que processam as pessoas de bem", disse ontem ao PÚBLICO o realizador João César Monteiro, comentando a intenção de António-Pedro Vasconcelos o processar. Para logo a seguir, quando lhe perguntamos se está a chamar "criminoso" ao presidente do Secretariado Nacional do Audiovisual, explicar: "Não sou eu que o digo, é ele próprio que se denuncia nas entrevistas que dá, porque um tipo que tem a veleidade de querer matar determinado tipo de cinema é um criminoso. Que utiliza métodos típicos de um nazi-fascista, próximos dos utilizados por Goebbels e Zdanov."

João César Monteiro diz que as críticas que proferiu, na passada quinta-feira na Cinemateca Portuguesa, na antestreia do seu mais recente filme, O Último Mergulho — acusando António-Pedro Vasconcelos de ser "vigarista" e "aldrabão" —, "não estavam programadas, se não teriam sido melhores" e promete "continuar até que ele se demita: aí, o sr. Vasconcelos deixa de me interessar". Garantindo que não se trata de uma questão pessoal ("Embora não goste do que ele faz, pessoalmente até gosto imenso do sr. Vasconcelos"), César Monteiro acrescenta: "Eu nem sequer estou a atacar um colega meu, mas um funcionário político do cavaquismo."

E explica por que razão: "Alguém tinha de [o] fazer. Há um clima de coacção psicológica sobre os cineastas que se recusam a ser obedientes. No meu caso, já tive até ameaças físicas por parte de familiares do sr. Vasconcelos. Não há nenhum jovem realizador que tenha a coragem de dizer que não gosta de um filme do sr. Vasconcelos com receio das consequências. E, se for preciso, digo isto com testemunhas. Há indícios de que o Secretariado Nacional do Audiovisual tem uma função um bocadinho perversa e que é a de aniquilar algum cinema português, por acaso o melhor."

João César Monteiro considera que a atribuição de subsídios é feita "com regras obscuras e num regime de compadrio sistemático", e que António-Pedro Vasconcelos "é conivente nisto tudo, porque 4/5 dos nomes que integram o júri sinistro que atribui os subsídios são da sua lavra: neste sentido, é lícito dizer que o Secretariado é vigarista, para não lhe chamar outras coisas". Para este realizador, "é evidente que há uma troika'no cinema português, constituída pelos senhores Vasconcelos, Fonseca e Costa e Fernando Lopes como aguadeiro", e que "o que eles e o secretário de Estado da Cultura querem é estrangular à nascença os novos Oliveiras portugueses; a estratégia deles é a seguinte: o Manoel de Oliveira é chato mas já é intocável e temos de suportá-lo até ao final dos seus dias; portanto, vamos garantir que não surjam outros".

A construção de um estúdio de som para o cinema — recentemente anunciada pelo secretário de Estado da Cultura — é também criticada por César Monteiro: "Em vez de abrirem um concurso público para o efeito, foram buscar uns suíços manhosos que nem sequer percebem do assunto, porque o que eles têm em Genebra é apenas um mau estúdio de dobragens. O que quer dizer que o secretário de Estado, uma vez mais, assinou de cruz, uma vez mais vai dar barraca e nós vamos continuar a ir lá fora fazer as misturas. É mais uma negociata escura."

O realizador de Recordações da Casa Amarela — que iniciará no próximo mês a rodagem de um novo filme, Le Bassin de John Wayne, com produção francesa — fez também questão em dizer que o que aconteceu na Cinemateca "foi um acto completamente solitário, que não teve a cumplicidade de ninguém: o azar do sr. Vasconcelos, ou o meu, foi ele não estar presente, apesar de ter sido convidado, porque, se ele lá estivesse, eu não teria dito nada. Teria sido má educação para com um convidado meu. Escolhia outra ocasião, porque, como disse o sr. Vasconcelos, cá se fazem, cá se pagam".

O PÚBLICO contactou ontem António-Pedro de Vasconcelos, que confirmou estar decidido a processar César Monteiro: "É a atitude normal num Estado democrático. Na segunda-feira, vou falar com o meu advogado. João César Monteiro tem que ter, de uma vez por todas, um castigo exemplar. Ele não pode, aos 53 anos, continuar a gozar da impunidade que tem tido até agora."

Considerando que o que está em questão "nem sequer é uma polémica, mas uma série de insultos graves feitos por um cidadão a outro", António-Pedro de Vasconcelos admite que, "por trás deste episódio, há outras coisas", mas prefere não falar disso: "Seria justificar, mais uma vez, a atitude de João César Monteiro com o seu génio ou com os seus problemas psiquiátricos. Prefiro tratá-lo como um cidadão responsável, que recebe dezenas de milhares de contos de subsídios do Estado para fazer filmes e, por isso, vou, muito simplesmente, processá-lo."

O responsável pelo Secretariado Nacional do Audiovisual, reafirmando o que dissera na sexta-feira, ao "24 Horas" da RTP, afirmou também que "não esperava" que João Bénard da Costa, director da Cinemateca, aplaudisse as afirmações de César Monteiro e acrescentou que continua "à espera de uma explicação" pública: "É o mínimo que posso exigir, embora saiba que ele não é responsável pelas afirmações de César Monteiro. Ele já me disse, pessoalmente, que os seus aplausos não significavam que estava de acordo com todas as afirmações de César Monteiro. Mas toda a gente viu o que se passou na televisão. Se a televisão manipulou as imagens, é um problema entre ele e a RTP. Se ele, enquanto director de uma instituição oficial, aplaudiu uma intervenção insultuosa para outras instituições e pessoas, deve explicar-se publicamente.

O PÚBLICO já ontem tentara ouvir Fonseca e Costa e Fernando Lopes, realizadores também visados pelas críticas de César Monteiro, bem como João Bénard da Costa, mas tal não foi possível até ao fecho da presente edição.

Mário Santos