Centenas de detenções e espancamentos misteriosos em protestos pró-UE na Geórgia
Mais de 400 pessoas foram detidas em protestos contra medidas destinadas a atrasar candidatura do país à UE e 30 foram alvo de acusações criminais por “participação em actos de violência em grupo”.
Mamuka, o filho adolescente de Marina Terishvili, de 75 anos, foi morto a tiro numa manifestação nacional na Geórgia em 1992. Agora, o seu outro filho, Giorgi, foi preso por ter participado em protestos contra a influência da Rússia na sua terra natal. Sete carros da polícia pararam na sua casa, na capital da Geórgia, Tbilissi, na sexta-feira e levaram Giorgi, um taxista de 52 anos, sob custódia, disse Marina.
O homem foi colocado em prisão preventiva durante dois meses por "participação em actos de violência em grupo", segundo explicou um grupo de defesa dos direitos humanos e os meios de comunicação social locais, e pode ser condenado a seis anos de prisão, no âmbito de uma ampla repressão contra os manifestantes que se confrontaram com a polícia durante quase duas semanas.
O grupo de defesa dos direitos humanos da Associação dos Jovens Advogados da Geórgia afirmou que o detido ainda tinha sido ouvido o e Marina Terishvili disse não saber qual a razão para o filho sido detido. "Não posso negar que ele foi aos comícios, porque tem um irmão que morreu a 2 de Fevereiro de 1992 e foi lá em honra da sua alma", disse Marina, acrescentando que Giorgi não podia tolerar a ideia de que o seu irmão mais novo tivesse morrido em vão. Mamuka tinha 17 anos quando foi morto durante a breve guerra civil que se seguiu à saída da Geórgia da União Soviética em 1991, que pôs fim a 200 anos de domínio da Rússia.
Giorgi é uma das mais de 400 pessoas que, segundo as autoridades e os grupos de defesa dos direitos humanos, foram detidas durante os protestos contra as medidas governamentais destinadas a atrasar a candidatura do país do Cáucaso do Sul à União Europeia.
Cerca de 30 pessoas foram alvo de acusações criminais, na sua maioria relacionadas com alegações de "violência em grupo" com o objectivo de derrubar o Governo. Entre os detidos encontram-se dois líderes da oposição que são pró-UE. Os grupos de defesa dos direitos humanos afirmam que o que está a acontecer não precedentes recentes na Geórgia, um país que era visto como um dos mais pró-ocidentais e democráticos dos Estados sucessores da União Soviética.
Fogo-de-artifício, gás lacrimogéneo e bastões
Alguns manifestantes lançaram fogo-de-artifício e outros projécteis contra a polícia, argumentando que se estavam a defender de ataques com gás lacrimogéneo e bastões. O Ministério do Interior afirmou na segunda-feira que mais de 150 polícias ficaram feridos. O partido Sonho Georgiano, que, segundo as autoridades, ganhou as eleições de Outubro que a oposição diz terem sido fraudulentas, provocou uma ira generalizada no país de 3,7 milhões de habitantes quando anunciou, no mês passado, a suspensão das negociações de adesão à UE até 2028.
O partido diz ser a favor de uma política pragmática com a Rússia, que apoia duas regiões que se separaram da Geórgia após a saída da União Soviética. O Sonho Georgiano diz que o seu objectivo é salvaguardar a paz num tempo de guerra na Ucrânia, que tem sido destruída pelas forças invasoras russas desde o início de 2022.
Os países ocidentais condenaram a repressão e o embaixador da UE na Geórgia afirmou, na segunda-feira, que esta merece sanções. O Provedor de Justiça da Geórgia, Levan Ioseliani, um ex-político da oposição nomeado pelo Sonho Georgiano, afirmou na terça-feira que o seu gabinete visitou 327 detidos, dos quais 225 afirmaram ter sido maltratados e 157 apresentavam ferimentos visíveis.
A polícia avançou ter encontrado fogo-de-artifício e artigos para o fabrico de bombas em duas sedes de partidos da oposição. Ambos os partidos afirmaram que os objectos tinham sido plantados. Na segunda-feira, o primeiro-ministro, Irakli Kobakhidze, disse que as instalações dos partidos eram "foco de violência" e que a sua tentativa de tomar o poder tinha falhado.
Homens mascarados de preto encenam ataques
Nos últimos dias, bandos de homens mascarados e vestidos de preto começaram a atacar políticos da oposição, activistas e alguns jornalistas. Os apoiantes da oposição referem-se aos bandos como titushky, uma palavra ucraniana para designar os bandidos que atacaram os opositores de um governo pró-russo antes da revolução Maidan de 2014, que levou o então Presidente Viktor Ianukovich a fugir para Moscovo. Dois jornalistas de um canal de televisão pró-oposição sofreram ferimentos visíveis na cabeça num ataque a 7 de Dezembro, captado na sua transmissão em directo de um protesto.
No mesmo dia, Koba Khabazi, um destacado membro do partido da oposição Coligação para a Mudança, ficou com ferimentos extensos na cabeça depois de ter sido atacado no edifício que alberga a sede do seu partido. As imagens das câmaras de vigilância obtidas pela Reuters mostram cerca de 15 homens vestidos de negro a entrarem no edifício e a confrontarem Khabazi, que empurram para uma escada, antes de lhe darem murros e pontapés na cabeça enquanto estava deitado no chão, imóvel. À Reuters, dois dias depois, Khabazi, um antigo deputado de 57 anos, culpou o Governo georgiano pelo ataque.
"É claro que o Governo está por detrás disto", disse Khabazi, com a cabeça ainda coberta de ligaduras. "Este Governo é construído sobre a violência". As autoridades georgianas afirmaram não estar envolvidas nos ataques e condenaram-nos. Os responsáveis do partido no poder sugeriram que os ataques são levados a cabo pela oposição para incriminar o Sonho Georgiano.