Os paradoxos do Ensino e Formação Profissional: entre pilar da Europa e segunda escolha
Em Portugal, os diplomados EFP não são reconhecidos pelo mercado laboral. Dados mostram que, ao contrário de outras formações, o diploma EFP raramente se traduz em vantagens salariais ou competitivas.
Recentemente, tive a oportunidade de participar na conferência anual organizada pelo CEDEFOP (European Centre for the Development of Vocational Training) e pela Presidência Húngara da União Europeia, em Bruxelas. Sob o tema “VET and higher education partnerships: towards excellence and inclusive growth”, a conferência foi uma ocasião para refletir sobre o Ensino e Formação Profissional (EFP) — ou VET, na nomenclatura europeia —, um pilar essencial no sistema educativo europeu. Os principais tópicos abordados foram a atratividade do EFP, o dilema inclusão versus excelência, as pontes entre o ensino secundário e o superior e o crescimento do reconhecimento dos diplomados por esta via.
A União Europeia continua a depositar no EFP valores e expectativas elevados. Vê-o como um instrumento-chave para a inclusão social, a transição digital e energética, e como motor da competitividade económica da Europa. No entanto, com 2030 no horizonte, o EFP continua repleto de paradoxos que comprometem a concretização das metas definidas. A sua imagem social, a atratividade face às vias científico-humanísticas e a sua integração com o ensino superior são apenas alguns dos desafios que revelam a necessidade de reflexão e, eventualmente mudanças profundas nas políticas ligadas à educação.
Por um lado, a Declaração de Osnabrück (2020) estabelece que pelo menos 50% dos alunos da União Europeia devam concluir o ensino secundário através de percursos EFP até 2030. No entanto, em Portugal, esta meta parece distante. Menos de 40% dos alunos optam pelo EFP, sendo esta percentagem ainda mais baixa nas escolas públicas, com valores pouco superiores a 30%. Embora esta seja uma via reconhecida por reduzir o abandono escolar e contribuir para a inclusão social, a sua atratividade permanece limitada, refletindo estigmas sociais e preconceitos de outros tempos. É comum que o EFP seja percecionado como uma alternativa de menor prestígio, destinada a alunos considerados “menos académicos”. Esta visão ultrapassada contrasta com os exemplos de países europeus que superam 60% de adesão ao EFP, como a Alemanha ou a Itália, comprovando que a mudança de perceções é possível.
Outro paradoxo surge no reconhecimento dos diplomas pelos empregadores. A UE reconhece o EFP como motor de inovação e competitividade da economia europeia. No entanto, em Portugal, os diplomados EFP não são reconhecidos pelo mercado laboral. Dados mostram que, ao contrário de outras formações, o diploma EFP raramente se traduz em vantagens salariais ou competitivas. Se o mercado não valoriza esta formação, como pode o EFP ser um verdadeiro motor de mobilidade social?
Na conferência de Bruxelas, discutiu-se também a relação entre o EFPe o Ensino Superior. Este deveria ser um caminho contínuo, mas, na prática, os alunos do EFP enfrentam uma barreira no acesso ao Ensino Superior. Os diferentes mecanismos de acesso não se têm mostrado eficazes e a perceção social é de que o ensino profissional é um caminho restritivo. Apesar da aposta em áreas STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática), os alunos EFP enfrentam desvantagens claras no acesso ao Ensino Superior em comparação com os alunos dos cursos científico-humanísticos. A criação de sistemas de equivalência para competências adquiridas nos cursos profissionais — que permitam reduzir a duração dos cursos superiores — foi identificada como uma solução essencial para atrair mais alunos para o EFP assegurar percursos formativos diversificados e com múltiplas possibilidades futuras.
Também é paradoxal que o EFP seja promovido como uma ferramenta para inclusão social; acolhimento de migrantes, minorias e comunidades em risco de exclusão; redução do abandono escolar e promoção da mobilidade social. Mas também tem de promover a excelência para responder a mercados laborais exigentes e voláteis, como as ciências e as tecnologias. Poderá o EFP ser simultaneamente excelente e inclusivo? Dificilmente se continuar a ser visto como segunda escola.
É crucial que o EFP seja visto como uma via de qualidade, capaz de atrair alunos de diferentes perfis sociais e académicos. Sem essa diversidade, o EFP corre o risco de reproduzir e perpetuar desigualdades, em vez de resolvê-las.
Também paradoxal é o facto de os desafios serem muitos, mas existirem soluções ao alcance dos decisores políticos e dos agentes educativos. É preciso agir: a União Europeia, os governos nacionais e os responsáveis pela Educação devem trabalhar para superar estes paradoxos. E, sobretudo, é necessário ultrapassar os preconceitos que continuam a assombrar o Ensino e Formação Profissional em Portugal. Só assim o EFP será verdadeiramente o motor de inclusão e inovação que a Europa necessita.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico