Coreógrafa Vera Mantero doa arquivo a Serralves que documenta 37 anos de actividade
Acervo desta figura-chave da dança contemporânea portuguesa servirá para promover “a pesquisa, preservação e divulgação” de uma parte significativa do património coreográfico e performativo nacional.
Depois de ter dedicado um longo ciclo de programação à obra de Vera Mantero, entre Junho de 2022 e Novembro de 2023, a Fundação de Serralves oficializou, esta terça-feira, o depósito do arquivo da coreógrafa, bailarina e investigadora, figura-chave da dança contemporânea portuguesa com mais de 30 anos de carreira.
O acervo doado pela artista a Serralves cartografa e documenta um corpo de trabalho desenvolvido entre 1987 e 2024, reunindo 80 obras originais, “entre solos, co-criações com mais de uma centena de outros criadores nacionais e internacionais, peças de dança e apresentações multidisciplinares”, indica a instituição em comunicado de imprensa.
Material fílmico, fotografias, publicações, ensaios, notas de trabalho, críticas e textos filosóficos sobre a obra de Vera Mantero (n. 1966) dão corpo a esta colecção com “milhares de itens”, que vai permitir promover “a pesquisa, preservação e divulgação” de uma parte significativa do património da dança contemporânea e da performance portuguesas.
Na linha da frente, no final dos anos 1980, da Nova Dança Portuguesa – um dos movimentos mais transformadores e influentes da dança em Portugal, ainda com reverberações no presente –, Vera Mantero é uma referência para coreógrafos/as e performers de diferentes gerações e um dos nomes da dança portuguesa mais reconhecidos a nível internacional, com uma produção artística que continua em progresso e desmultiplicação, inclusive através de intersecções com outras disciplinas, das artes visuais à música experimental, e de colaborações com artistas vários. Mantero é também fundadora da estrutura de criação, investigação, formação e produção O Rumo do Fumo.
O acolhimento deste espólio é mais um capítulo na relação continuada e cúmplice entre Serralves e a coreógrafa, que marcou presença na programação inaugural do museu em 1999. “A programação de artes performativas do Museu de Serralves cruza-se com a obra de Vera Mantero, e da Nova Dança Portuguesa, desde a sua génese”, afirmou ao PÚBLICO Cristina Grande, programadora do Serviço de Artes Performativas de Serralves, aquando do arranque de O que a minha dança diz, o já referido ciclo de programação dedicado à artista, que incluiu a antestreia do documentário Vera Mantero, de Cristina Ferreira Gomes, produzido para a RTP.
O trabalho de Mantero, sublinhou então a programadora, espelha “influências filosóficas, científicas, políticas, literárias e das artes visuais que perpassam as suas performances, filmes, conferências dançadas e ensaios críticos, e que constituem a biografia de Serralves e da sua programação”.
Numa área caracterizada pela efemeridade e pela lacuna de documentação histórica organizada – tópico que a própria artista já abordou variadas vezes, criticando a falta de iniciativas do Ministério da Cultura nesse departamento –, Serralves pretende criar “um espaço de memória” e “de produção de conhecimento” das “artes imateriais”. Também nesse sentido, a editora Orfeu Negro lançou este ano o livro Vera Mantero – Matérias. Forças. Imaginário, com textos de João dos Santos Martins, Daniel Tércio, Peter Pál Pelbart, Bojana Kunst, Ana Pais e Ana Godinho.
“O Arquivo Vera Mantero será objecto de tratamento, estudo e divulgação através de diversas iniciativas, como exposições, conferências, apresentações e actividades educativas, realizadas dentro e fora de Serralves, consolidando-se como uma fonte de conhecimento artístico, científico e histórico”, adianta o comunicado de imprensa.
Este é o segundo acervo de artes performativas doado à instituição portuense. Em 2021, o coreógrafo, performer e investigador João Fiadeiro, outra referência incontornável da dança portuguesa, confiou a Serralves o Arquivo Atelier RE.AL, com cerca de quatro mil peças, ligado à companhia por si fundada em 1990. Entre os arquivos depositados em Serralves encontram-se também os de Álvaro Siza, Tereza Siza, Manoel de Oliveira, Julião Sarmento, Fernando Guerra, António Mendes, entre outros.