Por que é que partes do deserto do Sara estão a ficar verdes?

A mudança na paisagem do deserto do Sara, em África, é o resultado das chuvas de monção que se deslocam mais para norte do que o habitual.

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Imagens de satélite mostram que partes do deserto do Sara estão mais verdes do que o habitual NASA
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Partes do deserto do Sara estão dramaticamente mais verdes do que o habitual, enquanto a época dos furacões no Atlântico tem sido mais lenta do que o esperado. Acontece que estes dois fenómenos estão ligados a uma inesperada mudança para norte da tempestade em África.

No Norte de África, alguns dos locais mais secos da Terra registaram cinco vezes a precipitação média de Setembro. As inundações afectaram mais de quatro milhões de pessoas em 14 países, de acordo com o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas. As chuvas fortes e as cheias mataram ou deslocaram milhares de pessoas e perturbaram as actividades agrícolas em zonas onde, agora, já não há alimentos suficientes para as populações.

As inundações e o enverdecimento testemunhados na região são da responsabilidade de uma deslocação para norte da região de nuvens e chuva que circunda a Terra, perto da linha do Equador. Nessa área, chamada Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), os ventos do hemisfério Sul, que sopram do sudeste, convergem com os ventos do hemisfério Norte, que sopram do nordeste. A combinação de ventos convergentes, sol forte e água quente do oceano provoca não só um ar húmido e ascendente, mas também nuvens, aguaceiros e trovoadas constantes.

O movimento da ZCIT para norte e para sul do Equador durante o ano é principalmente determinado pela diferença de temperatura entre os hemisférios Norte e Sul. Desloca-se para o hemisfério mais quente, o que significa que reside a norte do Equador durante o Verão do hemisfério Norte, atingindo normalmente o seu ponto mais a norte em Agosto ou Setembro.

Os cientistas não sabem exactamente por que é que a ITCZ oscilou tanto para norte este ano. Pode ser devido ao calor quase recorde no oceano Atlântico Norte, aumentando a diferença de temperatura entre os hemisférios Norte e Sul, de acordo com Francesco S. R. Pausata, um professor de Ciências Atmosféricas da Universidade do Quebeque, em Montreal, Canadá, que estuda a ZCI.

Poderá também haver uma relação com o facto de o aquecimento global aquecer mais o hemisfério Norte do que o Sul. “O hemisfério Norte, por ter mais terra do que o hemisfério Sul, tende a aquecer mais e, por isso, pode empurrar a ZCI mais para norte”, afirmou Pausata por correio electrónico.

O deslocamento da ZCIT para norte pode também estar a contribuir para a falta de actividade dos furacões no Atlântico. Como as ondas tropicais geradas pela ZCIT estão a sair de África para o oceano Atlântico mais a norte do que o habitual, têm encontrado ar e águas mais frias, o que pode limitar o potencial de desenvolvimento.

Imagens mostram Sara mais verde

Os satélites da NASA conseguem detectar a densidade da vegetação, como as folhas e a erva. Como as chuvas fortes associadas à ZCIT penetraram mais a norte do que o habitual este ano, o maior aumento do verde em relação ao ano passado pode ser observado na faixa do Centro-Norte de África que abrange o Sul da Mauritânia, o Sul do Mali, o Burkina Faso, o Sul do Níger, o Norte da Nigéria, o Sul do Chade, o Sul do Sudão e partes do Sudão do Sul, da Eritreia, da Etiópia e do Quénia.

A sul, as regiões que receberam muito menos chuva do que o habitual – incluindo a Guiné, o Gana, o Centro e o Sul da Nigéria, os Camarões, o extremo Sudeste do Sudão e uma parte da Etiópia ocidental – registaram a maior diminuição do verde em relação ao ano passado.

Os satélites da NASA também captam aquilo a que se chama uma visão a “cores verdadeiras” do planeta, que é semelhante ao que o olho humano veria. O aumento mais dramático do verde este ano pode ser observado no Sul do Chade, no Sul do Sudão e na Eritreia.

A mudança do verde para norte é o resultado das chuvas de monção que se deslocam mais para norte do que o habitual. Partes do Mali, do Níger, do Chade, do Sudão e da Eritreia registaram os maiores aumentos de precipitação em relação ao normal. Algumas zonas receberam tanta chuva no último mês como a que cairia normalmente num semestre ou mais.

A NASA documentou uma mudança súbita na paisagem depois de uma tempestade ter descarregado fortes chuvas no Noroeste do Sara, nos dias 7 e 8 de Setembro, encharcando partes de Marrocos e da Argélia, onde tais aguaceiros são raros.