O Huesca fez-se grande com pouco dinheiro e com a ajuda de um português

O clube de uma cidade de 50 mil habitantes e que joga num estádio de cinco mil lugares vai jogar na liga espanhola.

Foto
LUSA/ELISEO TRIGO

Não é preciso ser de uma cidade grande para se ser grande no futebol. Ninguém bate o Termalica de Niecieza, equipa de uma terra de 750 habitantes que jogou durante três épocas na primeira divisão da Polónia (desceu nesta temporada). E o Desportivo das Aves, teve, literalmente, toda a vila (oito mil habitantes) no Jamor a assistir ao seu triunfo na final da Taça de Portugal. A liga espanhola vai ter mais uma história destas na próxima época. Entre Real Madrid e Barcelona, vai aparecer pela primeira vez o Huesca, o maior clube de uma cidade com apenas 50 mil habitantes.

Não será o único de uma cidade com dimensão semelhante a jogar entre os grandes de Espanha, e o exemplo só pode deixar os adeptos do Huesca bem optimistas quanto ao futuro. O Villarreal é o representante de uma cidade também com cerca de cinco mil habitantes que, em duas décadas, se transformou numa das equipas de topo do futebol espanhol e com presença regular nas competições europeias – chegou a ser semifinalista da Champions em 2006. Por enquanto, as ambições do Huesca serão manter o seu crescimento sustentado, de passos curtos e seguros, sem entrar em loucuras, e não repetir os primeiros anos de existência turbulenta, que incluiu duas refundações por problemas financeiros.

Como se fez o milagre do Sociedad Deportiva de Huesca, um clube com 5100 sócios que joga num estádio com 5346 lugares sentados? Para início de conversa, com pouco dinheiro, apenas (para os padrões da II liga espanhola) com oito milhões de euros, o quarto orçamento mais baixo do escalão. Pegou num treinador ambicioso – Rubi – juntou-lhe uma estratégia criteriosa de recrutamento e, depois de ter ficado perto da promoção na época passada, conseguiu-o nesta segunda-feira, garantindo que será o 63.º clube a jogar na primeira divisão de Espanha, o segundo de Aragão depois do Saragoça, que ainda está na luta pela promoção.

Rubi, o treinador, foi uma peça fundamental na ascensão do Huesca. Catalão de nascimento, Joan Francesc Ferrer Sicilia (Rubi é uma alcunha que ficou com ele desde os tempos de escola) foi um jogador de poucos méritos, mas começou a dar nas vistas como treinador e olheiro dos adversários. Fez bom trabalho na equipa B do Espanyol, esteve perto de conseguir a promoção com o Girona (perdeu no “play-off) e chegou a ser convidado por Pep Guardiola para o acompanhar na sua aventura alemã até Munique. Mas Rubi recebeu o mesmo convite de Tito Vilanova, o herdeiro de Pep no Barcelona, e preferiu ficar na Catalunha com a esperança de, um dia, ser promovido a treinador principal.

Com a morte de Vilanova, Rubi perdeu espaço na nova gerência do argentino Tata Martino e voltou a começar de baixo. Não esteve longe de conseguir a promoção com o Valladolid e ainda teve duas experiências falhadas no Levante e no Sporting Gijón, terminando ambas as épocas em lugares de despromoção. Mas o que mostrou valeu-lhe a confiança de quem queria devolver Aragão à I Liga espanhola. O problema será, agora, segurá-lo, já que em Espanha, fala-se de um convite para ir treinar o Espanyol, que está à procura de um treinador, depois de ter despedido Quique Flores em Abril passado.

Com os euros contados, Rubi construiu uma equipa low-cost com alguns rejeitados da primeira, pérolas das divisões inferiores e empréstimos certeiros, para produzir um futebol vistoso e consistente, mais que suficiente para garantir o “ascenso” com duas jornadas por disputar. Entre as figuras da equipa está um rejeitado do Real Madrid, o médio Gonzalo Melero, internacional sub-17 por Espanha e que chegou a ser treinado por Zidane no Castilla. Empréstimos certeiros foram os do guarda-redes basco Alex Gargallo (cedido pelo Athletic Bilbau) e do extremo colombiano Cucho Hernández (ligado aos ingleses do Watford).

Um português em Aragão

Há uma conexão portuguesa nesta bonita história do Huesca. Jair Amador Silos é um defesa-central de 28 anos que nasceu em São Jorge de Arroios, antiga freguesia de Lisboa (passou a Arroios em 2013), de origem cabo-verdiana, mas fez pouca vida em Portugal. Jair foi abandonado pelos pais (nunca conheceu os pais biológicos) e viveu em Portugal até aos seis anos, altura em que foi adoptado por uma família de Villanueva de la Serena, uma localidade da província de Badajoz, na Extremadura, e é essa a sua casa. “Significa tudo para mim. Foi onde me criei, onde fiz os melhores amigos que alguém pode ter, onde cresci como futebolista e, sobretudo, onde conheci a mulher da minha vida”, contava numa entrevista em 2016.

A cumprir a sua segunda época no Huesca, Jair tem sido um jogador fundamental na equipa, titular em todas as 40 jornadas do campeonato (ainda faltam disputar duas) e só não cumpriu os 90 minutos em duas, para além de ter marcado dois golos que valeram duas vitórias. Já não era de agora que Jair era considerado um dos melhores centrais dos escalões secundários de Espanha. Já tinha construído esse estatuto, primeiro no Villanovense, depois da equipa-satélite do Levante, mas o Huesca em boa hora este possante central de 1,90m de altura, que na tal entrevista de 2016, a um portal desportivo da terra que o acolhera aos seis anos, dizia ter Pepe como referência, “o central perfeito”. Também dizia que gostava de um dia ser o dono da camisola 3 do Real. Já está mais perto.

Sugerir correcção
Comentar