Contas da Cáritas estão “bem auditadas”, reage cardeal-patriarca
D. Manuel Clemente diz que é preciso garantir os ordenados dos trabalhadores dos serviços da Cáritas e justificou-se dizendo que os tempos de crise ainda não passaram.
D. Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, disse que recebeu com “surpresa negativa” as notícias da última semana sobre as discrepâncias nas contas da Cáritas diocesana de Lisboa. Em declarações à Renascença, o cardeal-patriarca negou a existência de irregularidades e disse que as contas estão publicadas em vários meios, nomeadamente no site do patriarcado de Lisboa e no semanário da diocese, Voz da Verdade, e correspondem não só a 2014, mas aos três últimos anos.
Na última quinta-feira, o PÚBLICO noticiou que a Cáritas Diocesana de Lisboa dispunha de mais de 2,1 milhões de euros em depósitos bancários e cerca de 320 mil euros em obrigações, só em 2014. O organismo oficial da Igreja, que tem como missão intervir na ajuda a pessoas que se encontrem em situações graves de pobreza, terá gasto nesse ano 147 mil euros, sendo que apenas 11.314 euros corresponderam a ajudas directas às famílias.
O cardeal-patriarca de Lisboa sublinhou, em entrevista à Renascença, que as contas não dizem respeito apenas a 2014, “como apareceu nessa notícia”, mas aos últimos três anos “portanto, está patente, está claro” que não há nenhuma incongruência nos números apresentados, considera D. Manuel Clemente.
Reforçou a surpresa negativa com que recebeu esta notícia, uma vez que “as contas da Cáritas diocesana também estão auditadas e bem auditadas”. Se as dúvidas persistirem, D. Manuel Clemente aconselha a ler o relatório de contas publicado no site do Patriarcado: “Quem ler o relatório da Cáritas Diocesana de Lisboa no site da internet do Patriarcado, julgo que ficará com essas dúvidas esclarecidas”, afirmou.
“Fala-se muito de ela [a Cáritas] reter uma chamada ‘almofada’, mas é preciso ver que o dinheiro que há é também para garantir o pagamento dos ordenados aos funcionários que não são poucos, quer no Lar, quer noutras instâncias, e precisam de ser garantidos esses mesmos ordenados”, disse à Renascença. Em 2014, a Cáritas empregava 39 pessoas, nos diversos serviços que oferece.
O Cardeal Patriarca de Lisboa sublinhou ainda a importância de ter verbas suficientes para “colmatar aquilo que não pode vir das famílias, apesar dos apoios estatais que existem, por causa das dificuldades que se mantêm e também em termos de futuro”. Referiu, a título de exemplo, alguns projectos da instituição, como o de “apoio aos universitários que têm dificuldade em prosseguir os seus cursos”.
D. Manuel Clemente afirmou ainda que “há indicadores positivos, em termos de emprego” que fazem prever que a necessidade de ajuda diminua, mas “ainda há muita coisa por resolver, e o facto de ter emprego não significa que se tenha uma remuneração capaz de responder às necessidades das famílias”, lembrou.
A Cáritas tem estado a dar resposta a estas necessidades “quer a nível nacional, quer a nível de cada uma das dioceses”, colocando-se na “primeira linha desta resposta da Igreja”. O Cardeal Patriarca pede ainda que se participe no peditório nacional da Cáritas, que começa nesta quinta-feira, uma vez que ainda “há muita coisa para superar e responder na sociedade portuguesa”.
Até meados do ano passado, o acesso público a qualquer informação sobre os dinheiros da Cáritas de Lisboa era praticamente impossível. A instituição não a disponibilizava e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), ao qual a CDL tem de prestar contas por dispor do estatuto de instituição particular de solidariedade social (IPSS), fazia o mesmo.
Para conseguir as demonstrações financeiras de 2014, as mais recentes à época, o PÚBLICO teve de recorrer ao tribunal, que lhe deu razão e intimou o MTSSS a entregar todos os elementos requeridos.
O Ministério Público abriu um inquérito em Janeiro, no qual são visados o presidente da Cáritas de Lisboa, José Carlos Frias Gomes, e o cónego Álvaro Bizarro, responsável pelas finanças do Patriarcado de Lisboa. Para já, o MP está apenas a avaliar a credibilidade da denúncia, para decidir se avança para a investigação.