REVISTA_2

“Um tempo em que se agiu”

Álbum de Fotografias Portugal 1969-1979 partiu de um apelo lançado nas redes sociais: os donos da galeria Espaço Mira, no Porto, gostariam de ver o que os portugueses têm nos seus álbuns de família. Portugal respondeu-lhes: mais de três mil fotografias, de casamentos a piqueniques, de festas à revolução. Para ver e recordar a partir do próximo sábado

Do álbum de Graça Martins, vem este beijo a Artur, na altura seu namorado. A fotografia é de 1972 e foi tirada por José Carlos Teixeira
Fotogaleria
Do álbum de Graça Martins, vem este beijo a Artur, na altura seu namorado. A fotografia é de 1972 e foi tirada por José Carlos Teixeira

Manuela Matos Monteiro e João Lafuente não queriam encaixilhar o 25 de Abril de 1974. Queriam recordá-lo com um antes e um depois, como uma época. Desafiaram o país a vasculhar os seus velhos álbuns de família em busca de fotografias tiradas entre 1969 e 1979 — os casamentos, os baptizados, as comunhões, mas também a casa, o jardim, o automóvel, a escola, o local de trabalho, as férias, os arraiais, os jogos de futebol, as manifestações, em suma, o fio de que se teciam os dias do Portugal de então.
O resultado poderá ser apreciado na mostra Álbum de Fotografias Portugal 1969-1979, a partir das 16h do próximo sábado, dia 20 de Abril, num dos armazéns que estão a arrebitar uma das mais deprimidas zonas do Porto — o Espaço Mira e o Mira Fórum, na Rua de Miraflor, n.º 155, a cinco minutos da Estação de Campanhã.  
Manuela e João têm aquela cumplicidade que só parece possível nos livros. Ela é palavra — professora de Psicologia, escreveu inúmeros livros escolares. Ele é silêncio — licenciado em Matemática, converteu-se em informático. Sentem paixão pela fotografia desde os tempos de estudantes. 
Puseram-se a imaginar um lugar onde, já reformados, pudessem partilhar o gosto pela fotografia e a relação da fotografia com outras artes e saberes, como a pintura, o cinema, a performance e o vídeo. Recuperaram uns armazéns decrépitos, que tinham sido traseiras da infância de João. Desde que abriram as galerias, em Setembro, tem sido uma azáfama naquela rua estreita. 
Apesar da popularidade crescente do projecto, que lhes toma o tempo inteiro, ficaram espantados com a resposta ao apelo lançado no final de Fevereiro nas redes sociais. Em pouco mais de um mês, tinham mais de três mil fotografias de época nas mãos. Receberam imagens “de grande ternura”. Comoveram-se com algumas delas. “Tem sido uma experiência muito afectiva”, revela Manuela.
Eglantina Monteiro, comissária da exposição, optou por traçar uma linha muito clara entre o espaço privado e o espaço público. Há um lado fechado, intimista, que remete para a importância crescente do televisor dentro da casa de cada um. E um lado aberto, que inclui manifestações da chamada “contracultura”, ideário que questionava os valores vigentes. “Naquela altura, Portugal deu um duplo salto”, enfatiza. “Entrou em dois mundos em simultâneo — o moderno e o contemporâneo.”
Não se pense que este é um exercício nostálgico. Não há, aqui, qualquer intenção de oferecer uma visão idealizada do passado. Esta exposição, explica Eglantina Monteiro, “é um acto colectivo, participado, político — não no sentido partidário, mas no sentido de intervenção no espaço público”. Julga que o que se passa no país hoje deixa muita gente perplexa, que essa perplexidade de alguma forma imobiliza e que vale a pena olhar para “um tempo em que se agiu”. 
“Foi uma época extraordinária”, resume Manuela. “Gostamos da idade que temos por termos vivido esse momento.” Ela e o marido contavam 24 anos a 24 de Abril em 1974. Faziam reuniões clandestinas dentro de casa. Já tinham sido avisados. Alguém já falara neles à polícia política. E ele seria forçado a avançar para a guerra colonial. Preparavam-se para fugir para França. Partiriam sem dizer nada, como então se fazia. 
De repente, caiu a ditadura. Mudou tudo. “Foi espantoso!” Saiu à rua o país que durante tanto tempo fora empurrado pelo medo para dentro de casa. E eles viveram tudo com tanta intensidade que pouco fotografaram. Talvez por isso se sintam agora tão tocados pelas imagens que lhe foram sendo confiadas por tantos desconhecidos. 
 

Fotografia do álbum de família de Catarina Novais. Venda do Pinheiro, em 8 de Fevereiro de 1970
Fotografia do álbum de família de Catarina Novais. Venda do Pinheiro, em 8 de Fevereiro de 1970
O 25 de Abril em Lisboa. A fotografia está no álbum de Vítor Valente, que não via estes negativos há 40 anos e agora revelou alguns para integrarem  a exposição
O 25 de Abril em Lisboa. A fotografia está no álbum de Vítor Valente, que não via estes negativos há 40 anos e agora revelou alguns para integrarem a exposição
Imagem de António Santos. Apúlia, 1972
Imagem de António Santos. Apúlia, 1972
Imagem cedida por Acúrcio Moniz. Na praia do Furadouro em Junho de 1974, com Zilda Morais, com quem continua casado
Imagem cedida por Acúrcio Moniz. Na praia do Furadouro em Junho de 1974, com Zilda Morais, com quem continua casado
O baptizado de José Rosinhas (que cedeu a imagem) em Janeiro de 1973
O baptizado de José Rosinhas (que cedeu a imagem) em Janeiro de 1973
Imagem cedida por Acúrcio Moniz. Manifestação em Outubro de 1974 na Avenida dos Aliados
Imagem cedida por Acúrcio Moniz. Manifestação em Outubro de 1974 na Avenida dos Aliados
Fotografia cedida por Eglantina Monteiro. Rua Formosa, acompanhada pelo Zé, em 1973
Fotografia cedida por Eglantina Monteiro. Rua Formosa, acompanhada pelo Zé, em 1973
Vilar de Mouros, fotografia cedida por Estêvão Lafuente
Vilar de Mouros, fotografia cedida por Estêvão Lafuente
Aniversário de uma amiga. Fotografia cedida por Maria Oliveira
Aniversário de uma amiga. Fotografia cedida por Maria Oliveira
David Amitin, José Rodrigues e Carlos Barreira na montagem de A Serpente, do TUP, espectáculo que acabaria por nunca se estrear, em 1973. Fotografia cedida por Vítor Valente
David Amitin, José Rodrigues e Carlos Barreira na montagem de A Serpente, do TUP, espectáculo que acabaria por nunca se estrear, em 1973. Fotografia cedida por Vítor Valente
Na Escola do Carmo, com a professora Beatriz, em 1973, Porto. Fotografia cedida por Luísa Maria Cruz
Na Escola do Carmo, com a professora Beatriz, em 1973, Porto. Fotografia cedida por Luísa Maria Cruz
Almoço durante um passeio com a nova Van, em 1970. Cedida por Isabel M.F.C.
Almoço durante um passeio com a nova Van, em 1970. Cedida por Isabel M.F.C.