A alternativa ferroviária à aviação

A proibição de voos de curta distância, o regresso dos comboios nocturnos e os movimentos Flygskam são o início de uma tendência que pode levar à redução da quota do modo aéreo a favor do ferroviário.

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Os comboios nocturnos estão de regresso ADRIANO MIRANDA
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O comboio tem futuro por ser menos poluente do que o avião ADRIANO MIRANDA
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Flyskam é a expressão sueca que significa “vergonha de voar” EPA/JULIEN DE ROSA

Depois de quase terem desaparecido da geografia ferroviária europeia, os comboios nocturnos estão de regresso enquanto alternativa às viagens aéreas, impulsionados por uma opinião pública que vê neste modo de transporte uma forma eficaz de combater as alterações climáticas. Não só porque o comboio é menos poluente do que o avião (vários estudos indicam que a ferrovia emite entre 14 e 27 vezes menos CO2 do que o transporte aéreo), mas também porque acaba por ser mais prático partir à noite de uma cidade e acordar no dia seguinte noutra, evitando as filas do controlo de segurança e as viagens de ida e volta entre os aeroportos e o centro das cidades.

Na Europa, a preferência pelo modo ferroviário em detrimento do avião já tem um nome. Chama-se Flyskam, uma expressão sueca que significa “vergonha de voar” e que cada vez mais gente leva à letra sempre que a viagem pode ser feita em comboio. Movimentos como o Back on Track (Regresso aos Carris) e Oui au Train de Nuit (Sim ao Comboio Nocturno) têm vindo a pressionar o poder político e a constituir-se como um lobby junto das instituições comunitárias em defesa do modo ferroviário como alternativa sustentável à aviação.

Em França, como contrapartida aos apoios estatais na sequência da pandemia, o Governo impôs à Air France a supressão dos voos domésticos entre cidades em que a viagem de comboio seja feita em menos de 2h30, mas a medida ainda não foi implementada porque Bruxelas tem ainda de se pronunciar sobre se a mesma é compatível com o direito comunitário. Isto apesar de o Regulamento Europeu sobre o transporte aéreo prever explicitamente que, quando existem problemas graves em matérias ambientais, os Estados membros podem limitar ou recusar determinadas rotas sobretudo se existir uma alternativa satisfatória noutros modos de transporte.

Sem grande sucesso em combater o avião nas viagens diurnas, é durante a noite que a ferrovia tem vindo a aumentar a sua oferta na Europa. Sem ter de prestar contas a Bruxelas nesta matéria, foi o próprio ministro dos Transportes francês (e não o presidente da SNCF) que anunciou a abertura de dez novas rotas para comboios nocturnos até 2030 no seu território. Já há seis destinos servidos por comboios destes a partir de Paris, mas está prevista uma nova ligação Paris-Aurillac em Dezembro e Paris-Bordéus-Bayonne em 2024.

No Velho Continente, a Áustria manteve sempre comboios nocturnos para os seus países vizinhos, mas até 2024 deverão ser inauguradas rotas entre Zurique e Roma, Paris e Berlim, Bruxelas e Berlim e entre Barcelona e Zurique.

As linhas de alta velocidade, que em parte ajudaram a “matar” os comboios nocturnos nas últimas décadas, podem, contudo, potenciar estes serviços, mas agora entre origens e destinos mais distantes. Não é incompatível haver um comboio nocturno que ligue duas cidades em dez horas apesar de, durante o dia, estarem a três horas em alta velocidade. Mas é a própria utilização das linhas de alta velocidade que poderá ajudar à expansão das viagens nocturnas pois estes comboios podem circular facilmente a 200km/h e fazer numa noite viagens que numa linha convencional demorariam 15 a 20 horas.

É preciso, porém, ultrapassar duas dificuldades. Uma é que as linhas de alta velocidade têm trabalhos de manutenção durante a noite, mas um bom planeamento e a utilização de troços de via única enquanto a outra está em obras pode ser uma solução. A segunda é o custo da sua utilização. Se os gestores de infra-estrutura cobrarem aos comboios nocturnos a mesma taxa de uso (portagem ferroviária) que cobram a um comboio de alta velocidade, então a viagem nocturna sobre carris torna-se demasiado cara para o operador.

Em Portugal, desde Março de 2020 que desapareceram os comboios nocturnos que ligavam Lisboa a Hendaya e a Madrid. Na mesma altura acabaram também as ligações espanholas entre a Galiza e Madrid e Barcelona. A pretexto da interrupção devido à pandemia, a Renfe simplesmente desistiu deste serviço e rasgou unilateralmente o acordo que tinha com a CP para explorar o Lusitânia Expresso.

O Sud Expresso, que era um produto da CP, também soçobrou, até porque a composição era feita com material espanhol Talgo. Em Julho do ano passado, o ministro Pedro Nuno Santos anunciou que a CP iria estudar uma solução para reatar o serviço, mas não houve mais desenvolvimentos depois disso.

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