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Viva o Samba Lisboa completa 10 anos de música e resistência em Portugal
Unindo raízes brasileiras e tradição portuguesa, com histórias que transcendem fronteiras e mantêm o samba vivo e vibrante, grupo de músicos é exemplo de superação.
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Há uma década, o Viva o Samba trouxe para Lisboa a energia e as raízes de um dos mais tradicionais gêneros musicais brasileiros. O grupo, formado por 12 músicos, nasceu de uma história de sonhos, superações e heranças culturais que atravessaram o Atlântico. Oriundos de Suzano, cidade da região metropolitana de São Paulo, sete dos integrantes são primos, que encontraram na música não só um escape, mas uma forma de transformar suas vidas e a de muitos ao seu redor.
O Viva o Samba começou muito antes de ter esse nome e atravessar o oceano. Em 1992, ainda em Suzano, um grupo de crianças se reunia nos quintais da vila onde viviam, improvisando instrumentos e imitando os artistas de samba e pagode que viam na TV. Influenciados pelo sucesso de grupos como Raça Negra, os jovens, entre eles Cícero Mateus e Humberto Vieira, o Betinho, começaram a tocar juntos sob o nome de Os Meninos do Samba. As condições eram rudimentares: as primeiras "batucadas" eram feitas em latas e baldes, mas a paixão pela música logo se transformou em algo mais sério.
A música sempre esteve presente na família. A avó dos meninos era atuante em uma escola de samba local, a União da Vila, em que cuidava de alas como as das baianas e das crianças. "O samba estava no sangue, mas também era nossa fuga da realidade", lembra Cícero. A região era marcada por desafios econômicos e sociais, e a música tornou-se uma forma de resistência e esperança para os jovens. "A gente cresceu tocando em botecos, bares e festivais comunitários, muitas vezes, até de madrugada, mesmo sendo crianças. Era cansativo, mas aquilo era a nossa escola de vida", conta Betinho.
A transição para Portugal
Em 2002, um dos tios do grupo, Nivaldo, viu na música uma oportunidade para oferecer algo mais aos jovens. Ele decidiu levar a banda para Portugal, onde já vivia, mas com um foco inicial no forró, que estava em alta entre a comunidade brasileira. O grupo chegou a Lisboa como uma banda voltada para o ritmo nordestino, mas a saudade das raízes e a paixão pelo samba fizeram com que eles começassem a explorar novamente o gênero que os conectava à infância.
Os primeiros anos em Portugal foram marcados por dificuldades. Tocavam para pequenos públicos, em eventos comunitários, mas o reconhecimento era limitado. "Havia um preconceito em relação ao samba, que era visto apenas como música de carnaval. Tínhamos que mudar essa percepção", explica Cícero. Aos poucos, com muito esforço e persistência, começaram a atrair mais pessoas, especialmente brasileiras, que viam na roda de samba uma conexão com suas origens.
A jornada de crescimento do Viva o Samba foi marcada por dedicação extrema. "Desde o começo, tratamos o samba com o respeito que ele merece. Para nós, é um patrimônio cultural", diz Betinho. O grupo não apenas tocava samba, mas também estudava suas raízes, ampliando o repertório para incluir clássicos de Cartola, Nelson Cavaquinho e Adoniran Barbosa. "Queríamos que o público entendesse a profundidade e a beleza do samba, para além da superfície", conta Cícero.
Ao longo dos anos, o Viva o Samba passou por várias transformações. O grupo inicialmente se apresentava para públicos pequenos, com ingressos que custavam apenas 3 euros. "Lembro que demoramos para ter coragem de aumentar o preço para 5 euros. A gente achava que ninguém ia pagar, mas as pessoas começaram a valorizar o que fazíamos", relata Cícero. Essa evolução foi fruto de uma postura profissional, que incluía ensaios regulares, um repertório cuidadosamente escolhido e o cuidado em criar uma atmosfera acolhedora e genuína em cada apresentação.
Grandes músicos
O Viva o Samba também se destacou por atrair grandes nomes da música brasileira e portuguesa para suas apresentações. Pretinho da Serrinha, João Cavalcanti e Walmir Borges já dividiram o palco com o grupo, além de artistas locais que se aproximaram do samba por meio das rodas promovidas em Lisboa. "Essas parcerias são muito importantes. Elas mostram que o samba é universal, que tem o poder de unir pessoas de diferentes origens", explica Betinho.
Um dos momentos marcantes foi o festival organizado pelo grupo em 2019, que contou com artistas brasileiros de renome e uniu o samba ao fado, em uma mistura que encantou o público. "Foi uma forma de mostrar que o samba pode dialogar com outras culturas e que sua essência está em construir pontes", afirma Cícero.
Como muitos artistas, o Viva o Samba foi duramente atingido pela pandemia de Covid-19. Com os eventos cancelados, o grupo teve que encontrar formas de se sustentar e manter a união. "Fizemos uma reunião e decidimos usar o dinheiro guardado para pagar um salário para todos os integrantes durante seis meses. Foi um momento difícil, mas saímos mais fortes", lembra Cícero.
A pandemia também trouxe reflexões sobre o futuro do grupo e a importância de registrar sua história. "Percebemos que precisávamos deixar um legado, algo que mostrasse quem somos e de onde viemos. Foi daí que surgiu a ideia de lançar nosso primeiro álbum", conta Betinho. Há um ano, o grupo gravou a música Castelo de São Jorge com o cantor António Zambujo, disponível em todas as plataformas e que também conta com videoclipe no YouTube.
Expansão pela Europa
Em 2025, o Viva o Samba planeja lançar um álbum autoral com 10 faixas, simbolizando os 10 anos de trajetória em Portugal. O disco trará uma amostra das diversas vertentes do samba, desde o partido alto até o samba rock, passando por sambas de amor e sambas com influências latinas. "Queremos mostrar que o samba é diverso e que pode dialogar com diferentes públicos", afirma Cícero.
Além do álbum, o grupo tem planos ambiciosos de expansão. Já estão confirmadas apresentações em Londres, Berlim e Amsterdã, e o objetivo é levar o samba a mais cidades europeias. "Queremos que o samba seja reconhecido como um patrimônio cultural global. Ele tem essa força e essa beleza que merecem ser compartilhadas", diz Betinho.
Mais do que um grupo musical, o Viva o Samba é um movimento cultural que conecta pessoas e histórias. "O samba sempre foi sobre isso: resistência, união e celebração", reflete Cícero. Com uma década de história, o grupo não só representa a força do samba em Portugal, mas também a capacidade da música de transcender fronteiras e criar novos significados.
Entre as memórias das rodas em Suzano e os grandes palcos europeus, o Viva o Samba continua fiel às suas raízes e à missão de levar o samba ao mundo. "O samba nos ensinou a sonhar, e nós queremos que ele inspire outros a fazerem o mesmo", conclui Betinho. Praticamente, todos os domingos o Viva o Samba se apresenta em Lisboa. O Instagram do grupo traz a programação completa dos shows.