Alguém quis matar o Sol e não conseguiu
Um conto indiano mostra-nos que o Sol que conhecemos é o sétimo irmão de outros, que não sobreviveram às flechas dos homens.
Uma lenda que chega até nós pela música e tradução de Vasco Negreiros, maestro e compositor que a conheceu no âmbito do seu estudo da língua hindi, no projecto Read India, que publica em mais de 126 idiomas e tem como objectivo estimular os hábitos de leitura entre as crianças.
“Trata-se de um conto do povo Munda, escrito a muitas mãos num workshop de literatura, artes plásticas e dança realizado em Bhubaneshwar em 2010”, diz ao PÚBLICO via email. E acrescenta: “Cativou-me a sua história, como alegoria da necessidade de uma atitude consciente e cuidada na relação com a natureza, assim como pelo facto de ser um testemunho da pluralidade cultural da Índia, que tantas vezes é vista na Europa de forma muito redutora e preconceituosa.”
O Sétimo Sol, bilingue (português e hindi), começa assim: “Há muito, muito tempo havia no céu sete sóis. Os seus raios atingiam a Terra com tal calor que não se conseguia aguentar. Sete irmãos pertencentes a uma tribo chamada Munda decidiram matar os sóis.” Lançaram-lhes flechas, mas um conseguiu escapar.
É um livro para escutar. Nasceu pela música, tornou-se um espectáculo com narração e imagens, sendo agora um livro e audiolivro — à boa maneira da editora Boca (Palavras Que Alimentam).
Resume Oriana Alves, responsável pela Boca: “É um texto muito conciso, simbólico e aventuroso, como os mitos de origem costumam ser, que a música e as ilustrações expandem prodigiosamente. É realmente uma viagem que se faz com os sentidos todos.”
Para a editora, é muito importante a aproximação do público a uma “composição erudita tão envolvente” e à resolução de um “conflito entre a humanidade e a natureza, mostrando como a harmonia é a nossa melhor opção, uma premissa fundamental para mudar mentalidades e comportamentos neste momento que se afigura como uma oportunidade de inverter a rota de um apocalipse ecológico anunciado”.
Na história, com animais como protagonistas, será o improvável galo a fazer com que o Sol sobrevivente volte a brilhar todas as manhãs. Nalgumas latitudes, ainda o conseguimos escutar.
A arte rupestre como referência na ilustração
Para a ilustradora, Beatriz Bagulho, que também estudou música, “ilustrar O Sétimo Sol foi um processo lindo, que se desenrolou de modo muito natural, em comunicação com Vasco Negreiros e editores”.
A partir do conto, escolheram em conjunto os momentos a ilustrar e explorou uma linguagem visual que viesse do imaginário da peça musical, tendo também as suas próprias influências: “A arte rupestre, a pintura fauvista e as texturas da natureza foram algumas das referências que encontrei nesta exploração.”
Imediatamente percebeu que faria sentido trabalhar com técnica mista: “As ilustrações foram criadas numa técnica ‘tradigital’ (tradicional+digital), com camadas-base de aguarelas, guache, pastéis secos e lápis de cor, que depois de digitalizadas foram transformadas, adicionando também no processo digital a maioria dos detalhes e jogos de luz/sombra.”
Sentiu-se livre na criação do livro, que, segundo ela, “conta uma história de grande contraste entre o dia e a noite, entre a harmonia e o caos, e este contraste é também enfatizado pela mudança na paleta de cores das ilustrações”.
Beatriz Bagulho tem um desejo à volta deste livro: “Espero que venha a inspirar jovens leitores através do seu bonito conto indiano, das minhas coloridas ilustrações e da magia do audiolivro musicado.” De acordo. Olhai o Sol que vai nascendo.
Mais artigos Letra Pequena