Natureza em balanço: 2024 teve vitórias ambientais (e incongruências políticas)

O cumprimento prático das metas climáticas e de biodiversidade continua a ser travado por processos lentos, cortes orçamentais desajustados e decisões políticas contraditórias.

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2024 foi um ano de algumas vitórias ambientais. Há agora mais de 2000 linces-ibéricos na natureza e o estatuto de ameaça desta espécie passou de “Em Perigo” para “Vulnerável” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. Criou-se ainda o 2.º Comité de Cogestão de uma pescaria em Portugal, dedicado à pesca do polvo no Algarve, e o respetivo Plano de Gestão foi aprovado por unanimidade e enviado ao Governo, que também terá nas suas mãos a responsabilidade de tornar esta pescaria mais sustentável e assegurar o financiamento da cogestão das pescarias.

A sociedade civil abraçou com vigor crescente a defesa de rios mais livres, removendo barreiras fluviais obsoletas e recuperando assim os ecossistemas ribeirinhos. Mas, infelizmente, o Governo não só não contempla a remoção de barreiras no OE 2025, como continua a avançar com os trabalhos para a construção da barragem do Pisão, que vai destruir habitats importantes e reforçar a (falsa) ideia de disponibilidade de água, facilitando a expansão do modelo de intensificação agrícola com prejuízo para a natureza e as pessoas.

Estes são exemplos de alguns avanços ao nível da proteção da natureza, mas 2024 trouxe também demasiados desafios no caminho para um futuro justo e sustentável para Portugal e Europa. Nos últimos 50 anos (1970-2020), a dimensão média das populações de animais selvagens monitorizadas diminuiu 73%. Estamos a perder espécies animais e vegetais a um ritmo sem precedentes e a aproximar-nos perigosamente de um ponto crítico de não retorno, o que é um indício claro da mudança que tem de ser feita a nível global. Se as espécies desaparecem, os ecossistemas entram em colapso.

A aprovação da Lei Europeia do Restauro Ecológico em junho de 2024 faz parte dessa mudança que ambicionamos e responde à necessidade urgente de recuperar habitats degradados, determinando o restauro de pelo menos 20% dos habitats degradados até 2030 e de todos até 2050. Espera-se, agora, o empenho dos Estados Membros nos seus Planos Nacionais de Restauro para que esta Lei saia do papel.

Neste ano assistimos também à reviravolta inesperada no voto de Portugal relativamente à proposta da Comissão Europeia sobre o estatuto de conservação do lobo na Convenção de Berna. O estatuto da espécie foi reduzido a nível europeu, e em Portugal continuamos sem conhecer os resultados do censo do lobo ibérico em Portugal mais de dois anos após a sua conclusão — o primeiro um grave retrocesso, e o segundo um continuado adiamento da adequada proteção da biodiversidade.

Mas as incoerências políticas não terminam por aqui. Os Açores aprovaram a criação da maior rede de áreas marinhas protegidas do Oceano Atlântico Norte – uma rede que se estende por 287 mil quilómetros quadrados e cobre 30% do oceano. Paradoxalmente, no mesmo ano, o Governo da Região Autónoma não fechou a porta à mineração em mar profundo, que pode destruir habitats completos, extinguir espécies e prejudicar as comunidades costeiras. Na Madeira, uns meros três anos após a expansão da Área Marinha Protegida das ilhas Selvagens, tornando-a a maior AMP do Atlântico Norte, o governo regional já permitiu a pesca e quer reduzir o nível de proteção.

Este balanço de 2024 evidencia tanto avanços quanto retrocessos em Portugal e na Europa no que toca à conservação da natureza. Mas apesar dos avanços, o cumprimento prático das metas climáticas e de biodiversidade continua a ser travado por processos lentos, cortes orçamentais desajustados (o Ministro da Agricultura e Pescas permitiu um corte de 44% nos fundos para as florestas e insiste em não alterar medidas que destroem a biodiversidade) e decisões políticas contraditórias.

O caminho para 2030 exige mais ambição, mais investimento e, acima de tudo, mais compromisso político. Atravessamos um momento em que alinhar sustentabilidade com desenvolvimento económico não é uma opção, mas uma necessidade. Não podemos olhar para os impactos ambientais isolados, mas também para as consequências económicas e sociais das nossas escolhas. O bem-estar do planeta é o bem-estar de todos nós.


A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico