Parlamento discute restrições a professores brasileiros em escolas de Portugal

Comissão de Educação da Assembleia da República debate, nesta quinta-feira (12/12), petição de professores brasileiros pelo acesso à carreira em Portugal. Profissionais querem legislação específica.

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Enquanto milhares de alunos estão sem aulas, professores brasileiros não conseguem ensinar em Portugal Rui Gaudêncio
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A Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República vai discutir, nesta quinta-feira (12/12), o acesso de brasileiros à carreira de professor em Portugal. O debate tem como base a petição do professor Daniel Abreu, 32 anos, que defende a criação de um mecanismo que torne mais rápido e eficiente a permissão para que profissionais oriundos do Brasil possam dar aulas nas escolas portuguesas.

Na avaliação de Abreu e outros profissionais, a possibilidade de os professores brasileiros darem aulas em Portugal ajudaria a aliviar a situação atual, em que milhares de estudantes do ensino fundamental luso estão sem aulas por falta de docentes. Somente no grupo de aplicativo de mensagens do qual Abreu faz parte são cerca de 250 professores sem autorização para lecionar.

Segundo o autor da petição, o problema tem dois lados. O primeiro deles, a validação dos diplomas, que é feita pelas universidades. O segundo, o reconhecimento da habilitação para lecionar, de responsabilidade da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE). Para ele, ao longo desse processo, sempre é colocada uma barreira para inviabilizar a autorização de trabalho aos profissionais brasileiros.

Critérios mais claros

O objetivo da petição é que o Parlamento português faça uma recomendação ao Governo para que esses bloqueios sejam removidos por meio de regras claras, não subjetivas, como as que têm sido usadas para barrar os professores. “A presente petição tem por objetivo solicitar a criação de uma portaria que estabeleça os critérios e procedimentos para o reconhecimento das qualificações profissionais para a docência obtidas no Brasil”, ressalta o documento.

No reconhecimento dos diplomas, Abreu afirma que são usados critérios diferentes dos dois lados do Atlântico. “No Brasil, os documentos do curso falam em horas aula. Por exemplo, 3 mil. Em Portugal, falam em créditos, 4.600 ou 4.800. Horas de aula são de contato direto com o professor. Os créditos incluem, além do contato com o professor, tempo de estudo, de biblioteca, de trabalhos fora da faculdade. O certo seria o reconhecimento do grau acadêmico”, considera.

Professor de português e espanhol, Abreu, paulista de Rio Grande da Serra, está em Portugal há cinco anos. “Vim fazer mestrado em educação especial. Acabei gostando, e fiquei. Dei entrada no pedido para o reconhecimento do meu diploma e das minhas habilitações há mais ou menos quatro anos”, relata. Vivendo na Ilha Terceira, nos Açores, atualmente, ele está sem trabalho.

Sem habilitações

A validação do diploma de professor não significa que tudo está resolvido, pois tem a segunda parte do processo para os brasileiros que querem dar aulas em Portugal: o reconhecimento das habilitações por parte da Direção-Geral da Administração Escolar.

Foi o problema que aconteceu com a mulher do professor Ricardo Jacob, 53, que foi a segunda pessoa a assinar a petição e vai falar na comissão do Parlamento português. “Vim para Portugal em 2022 já com a minha situação resolvida. Sou engenheiro eletrotécnico e dou aulas de eletrotecnia no curso profissionalizante. Foram nove meses para eu conseguir resolver tudo, e achava que minha esposa, que é professora de história, seria mais fácil”, conta.

Depois de ela ter obtido a equivalência do curso, não conseguiu que suas habilitações para dar aulas fossem reconhecidas. “A impressão que temos é a de que acham que os professores brasileiros vão distorcer a história de Portugal. Minha mulher, profissional experiente, teve que fazer quatro disciplinas na Universidade de Lisboa”, ressalta Jacob.

Escolhas sem sentido

O professor reclama da instituição escolhida pela DGAE para o cumprimento das disciplinas pela mulher. “Poderia ter sido na Universidade do Algarve, já que nós moramos perto de Faro, mas decidiram que tinha de ser em Lisboa. Durante um ano, ela teve que viajar duas vezes por semana para Lisboa para assistir às aulas”, lembra.

Jacob afirma, ainda, que a DGAE está indo contra a lei ao exigir tantos documentos. “O acesso à profissão de professor é regulamentado pela legislação como sendo de igualdade de condições com os moradores locais. Em Portugal, os estudantes fazem o curso e, depois, o mestrado de ensino. No Brasil, a licenciatura de história tem cinco anos e inclui monografia, estágio e tudo o que se faz no mestrado”, frisa. Ele também diz que DGAE pede documentos que vários estados e o Ministério da Educação do Brasil não fornecem, como o certificado de habilitações.

Da parte dos representantes sindicais dos professores de Portugal, há apoio para que os processos de reconhecimento de diplomas e de habilitações sejam mais claros. "Nós, neste momento, temos vários inscritos no sindicato com processos de reconhecimento. Acreditamos que deve ser um processo célere, não deve ser cheio de problemas burocráticos e administrativos", afirma Mário Nogueira, líder da Federação Nacional de Professores (FENPROF).

Pareceres

Antes de realizar a discussão desta quinta-feira, a Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República pediu pareceres a três entidades: o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, o Conselho das Escolas e a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). Apenas o Ministério da Educação e a associação responderam.

O ministério afirma que a DGAE “não tem competência para o reconhecimento dos graus acadêmicos e diplomas atribuídos por instituições de ensino superior estrangeiras, pelo que exige o reconhecimento específico a fim de comprovar a formação científica adequada dos requerentes para a docência”. E posiciona-se contra o pedido dos professores brasileiros, porque não considera que exista enquadramento legal para que seja criado um procedimento específico apenas para eles.

Já a ANDAEP tem uma posição de cautela em relação à proposta apresentada, sob a justificativa de que pode haver efeito negativo na qualidade do ensino. “Eventuais alterações legislativas ou processuais devem ser antecedidas de um estudo de impacto criterioso e ponderado, pois é fundamental garantir que os discentes tenham acesso a um serviço educativo de qualidade, para o qual é determinante a preparação acadêmica e a capacitação dos profissionais que o asseguram”, afirma.

Segundo a legislação, uma petição deve ser discutida por uma das comissões da Assembleia da República se tiver mais de mil assinaturas. Mas a importância do tema pode fazer com que seja discutida com um número menor de apoiantes. Foi o que aconteceu com esta petição, que teve 615 assinaturas.

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