O mundo é um lugar melhor graças à ciência
E o que esperar dos avanços científicos na saúde nos próximos 25 anos? Especialistas discutiram o futuro em Ciência, Medicina, Ética, Educação e Inteligência Artificial, nos 25 anos da AstraZeneca.
Um bebé que nasça hoje beneficiará, no seu tempo de vida, de descobertas que tornarão a medicina cada vez mais personalizada, potenciada pelos avanços da Inteligência Artificial (IA). Viverá ainda mais anos, mas a evolução da ciência coloca novos desafios: viver mais significa que a terapêutica tem de continuar a evoluir para, por exemplo, dar resposta à gestão integrada de patologias que se tornarão crónicas ou que assim se manterão durante mais tempo. A medicina de prevenção terá de se afirmar como cada vez mais relevante. Este é o futuro que se adivinha para um recém-nascido em 2024 e que confirma a percepção deixada pelos portugueses num inquérito agora apresentado.
Realizado a propósito dos 25 anos da AstraZeneca, o estudo “Percepções e expectativas dos portugueses sobre a Ciência” foi dado a conhecer durante uma conferência que celebrou este quarto de século e que reuniu várias figuras ligadas à Ciência na sede da biofarmacêutica, em Barcarena, a 21 de Novembro. O evento assinalou, ainda, o Dia Mundial da Ciência, celebrado a 24 de Novembro.
Desenvolvido pela Spirituc para a AstraZeneca, este estudo conclui que, para os portugueses, a IA é a área que registou maior crescimento nos últimos 25 anos e aquela que terá também mais avanços nos próximos 25. A saúde surge logo a seguir. “O nosso ciclo de Investigação e Desenvolvimento é muito promissor e todos estamos muito expectantes com o que isso vai trazer para os doentes”, afirmou Anna Graham, a country president interina da AstraZeneca. A empresa está presente em mais de 100 países, com 27 fábricas e nove locais dedicados à investigação e desenvolvimento e que foram implantados propositadamente muito próximos de relevantes instituições universitárias, como acontece na área de Cambridge, no Reino Unido, ou em Boston, nos Estados Unidos da América. “O que motiva toda a empresa é uma ambição ousada”, explicou Ian Storer.
Segundo o vice-presidente do departamento de Hit Discovery and Head of Chemistry in Discovery Sciences da AstraZeneca, esta ambição significa ter o objectivo de desenvolver 20 novos fármacos até 2030, ser uma empresa com uma pegada carbónica negativa, contribuir para um mundo onde ninguém morre com cancro, ter sucesso no desenvolvimento de resposta para doenças raras. “A nossa aspiração é sermos pioneiros nas nossas áreas” (doenças respiratórias, cardiovasculares e metabólicas, oncologia, doenças raras), sempre com os doentes no centro do processo. “Estamos a fazer coisas que antes nem acreditávamos que fossem possíveis”, afirmou Ian Storer.
Dos cientistas às pessoas: contribuir para a revolução
Os cientistas têm um papel central nesta evolução. E, segundo os portugueses, recebem nota muito elevada, de acordo com o estudo de percepção desenvolvido a pedido da AstraZeneca. Ainda assim, é reconhecido que os apoios que existem à investigação na área da saúde são “insuficientes”, com dois terços dos inquiridos a considerarem que, apesar de o país ter grandes cientistas, estes têm de desenvolver a sua actividade profissional no estrangeiro por falta de apoios ou condições por cá. “Há muito valor na inovação”, mas, até chegar ao mercado, existe “um percurso longo, oneroso. Isto não é atractivo para muitos investigadores, mas estes são muito necessários”, referiu, durante a conferência, Paulina Piairo, COO da RUBYnanomed, uma startup que está a desenvolver técnicas não invasivas para diagnóstico e monitorização dos doentes oncológicos, através de biópsias líquidas.
Por seu lado, Miguel Seabra afirmou: “temos sorte de termos todos nascido no momento certo para contribuir para esta grande revolução na área da saúde.” O professor e investigador da Nova Medical School não tem dúvidas de que a “melhor comunicação entre cientistas clínicos e a indústria farmacêutica” é um dos motivos para o “momento extraordinário de ciência e inovação na área da saúde” que actualmente se vive.
Para Eduardo Marçal Grilo, que, curiosamente, era ministro da Educação quando, em Abril de 1999, a AstraZeneca surgiu, “a evolução que se verificou nas últimas décadas foi muito grande, mas foi lenta. Olhando para o futuro, há uma certeza que tenho: é que a evolução vai ser mais rápida e em alguns sectores vai ser imprevisível”. Marçal Grilo –que participou na mesa-redonda sobre “O que esperar dos próximos 25 anos?” – recordou que, quando foi operado pela primeira vez, há 70 anos, foi anestesiado com éter. “A evolução que isto teve!”, exclamou, recordando que hoje existe personalização na medicina, uma maior capacidade de diagnóstico precoce, robotização. Mas, sublinhou, é também necessário trabalhar a literacia em saúde. “A melhoria cultural das pessoas vai ser essencial no avanço da Medicina.”
De acordo com o inquérito, uma maioria dos portugueses define os seus conhecimentos sobre inovação na área da saúde e ciência entre o “insuficiente ou mau” (27,3%) e o “suficiente” (48,6%), situando-se o terço restante das respostas entre o “bom” e o “muito bom”. Apesar disso, cerca de 80,5% dizem ter um grande interesse pelas inovações científicas. Entre os 10% que manifestam desinteresse, os motivos apontados dividem-se entre a complexidade na comunicação dos temas e a falta de domínio sobre o assunto.
Neste âmbito, reconhece Ana Noronha, “é muito importante contribuir para reduzir a exclusão social e democratizar ainda mais o acesso, porque existem comunidades que ainda têm dificuldade em ter acesso.” No entanto, a nota deixada pela directora executiva do Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica é positiva. “A cultura científica tem tido uma grande evolução no nosso país”, afirmou, em entrevista à margem deste encontro, recordando os dados do Eurobarómetro que, no final de 2022, demonstravam que os portugueses têm confiança na capacidade da ciência para ajudar a resolver os problemas da sociedade. “Não é de desprezar o trabalho que a Ciência Viva tem feito para promover a cultura científica, enraizando-a nas escolas, na sociedade e em todo o país. Obviamente que não será apenas isso, muitas transformações têm ocorrido na sociedade portuguesa: o desenvolvimento da comunidade científica, os resultados e a visibilidade da ciência, os media. Tudo isso tem contribuído para este resultado”, disse.
Inteligência artificial, sim, mas afirmando o humano
João Valente Nabais acrescentou também a posição dos doentes, enquanto vice-presidente da Federação Internacional de Diabetes, doença que lhe foi diagnosticada aos 12 anos. Nessa época, para se injectar insulina no organismo, usava-se uma seringa de vidro, que tinha de estar imersa em álcool e depois tinha de ser seca com uma lamparina. “Era complicado. Hoje, uso uma bomba de insulina inteligente”, afirmou. “Em 40 anos, esta evolução da tecnologia é brutal – o que se espera [que ocorra igualmente] nos próximos 40 anos, pela IA, mas também pelas pessoas. Porque a pessoa com doença está a assumir cada vez mais o papel central em todos os níveis de decisão. E tem de cada vez mais assumir este papel preponderante”, sublinhou o também vice-reitor da Universidade de Évora.
Sendo a Inteligência Artificial (IA) a área em que os portugueses antecipam maiores desenvolvimentos no próximo quarto de século, quase todos os oradores abordaram a questão. “A forma como os portugueses vêem a utilização da IA na saúde é tendencialmente favorável”, descreveu Rui Costa, director técnico da Spirituc, durante a apresentação do estudo. “Fala-se de uma revolução industrial que vai ser muito mais rápida do que as outras”, disse Hélder Oliveira, professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, cientista de dados focado na área do cancro e que, depois do doutoramento em cancro de mama, desenvolve projectos, onde a IA está presente, sobre cancro do pulmão.
Para este especialista, a revolução poderá ocorrer em três áreas: diagnóstico, formação dos médicos e apoio ao doente. “A evolução vai ser grande e espero que seja sempre olhando para o doente, para a sociedade e para as suas necessidades.” Com o humano sempre no centro – e ao comando: “Na minha visão, mesmo como cientista de dados, o humano terá que ter sempre a última decisão”, até para evitar problemas que estão já identificados e que foram resumidos por Carlos Almeida Pereira. De acordo com o gestor de ciência da AICIB, a integração da IA na medicina “levanta questões éticas sobre a autonomia de doentes, a tomada de decisões, os vieses algorítmicos que podem conduzir a resultados tendenciosos”. Apesar de todos os desafios e eventuais receios que a IA coloca, e que os portugueses identificam no inquérito, apenas 10% das pessoas disseram estar cépticas.
O oncologista Luís Costa também afirmou o potencial da IA no diagnóstico, nomeadamente como ferramenta de suporte quando um médico está a consultar um doente. “No futuro, uma pessoa estará na urgência a escrever os sintomas” e surge no ecrã do computador “um pop-up da IA que chama a atenção” para alguma complicação. No entanto, sublinhou o director do departamento de oncologia do Hospital de Santa Maria, “a IA só vai utilizar o que conhece. Em Medicina, temos de fazer o load [carregamento] de muita coisa para que a IA nos dê informação útil para os doentes.” É obrigatório saber comunicar com os doentes, disse.
Como resumiu Rosário Trindade, Corporate Affairs & Market Access Director da AstraZeneca Portugal, no encerramento deste encontro, “todos temos um papel. Na AstraZeneca, temos muito orgulho em tudo o que fazemos.”