A Tapada de Coelheiros dá-nos nozes com nomes próprios mas não ligamos muito ao assunto

Já ouviu falar em Lara, Pedro, Chandler e Franquette? Pois, são variedades de nozes produzidas no Alentejo, mas que quando chegam às lojas perdem o nome. Nós, é mais granel.

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A Tapada de Coelheiros chegou a ter o maior pomar de nogueiras da Península Ibérica Miguel Madeira
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Em matéria de frutos frescos, regra geral tomamos decisões de compra em função das variedades, mas, quando passamos aos frutos secos, a conversa é outra. Ou, melhor, nem é conversa, porque ainda está para nascer uma marca que os apresente em embalagens com os nomes das respectivas variedades. A regra aqui é tudo ao molho e fé em Deus porque, no nosso imaginário, é tudo a mesma coisa. Sim, em matéria de castanhas ainda se nota alguma preocupação com o assunto, mas quanto a amêndoas, avelãs, pistácios ou – para o que nos interessa agora – nozes, nem nos ocorre pensar que, coitadas, também têm nomes próprios e sabores diferenciados.

Ora, na alentejana Tapada de Coelheiros (Igrejinha, Arraiolos), que ganhou notoriedade nos anos de 1990 com vinhos de castas franceses, as nozes são um assunto sério. Dirá o leitor: mas o quê, nogueiras em terra quente e com solos pobres? As nogueiras não são árvores tradicionalmente ligadas a Trás-os-Montes? Pois são, mas a agricultura já não é bem o que era. E é por isso que, mais à frente, vamos dissertar sobre as Lara, Pedro, Chandler e Franquette, que podem fazer alguma diferença nos dias festivos que se aproximam.

Hoje, com água e agricultura de precisão faz-se quase tudo e em todo o lado, mas o pomar de nogueiras da Tapada de Coelheiros já tem quatro décadas. E não é propriamente um jardim. São 20 hectares, sendo que, há 30 anos, eram 75 hectares, o que deu à Tapada, nos anos de 1990, o título de maior pomar de nogueiras da Península Ibérica.

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Na Tapada de Coelheiros há 20 hectares de nogueiras Miguel Madeira

Não se sabe ao certo por que razão Joaquim Silveira, antigo proprietário de uma tapada com 800 hectares, decidiu plantar nogueiras numa extensão daquelas, mas o enólogo António Saramago, que noutros tempos deu fama aos vinhos da casa, avança com duas teses: “Em primeiro lugar, o valor das nozes naquele tempo era considerável; em segundo lugar, alguém terá dito ao Joaquim que os pomares de nogueiras eram um habitat bom para lebres e coelhos (se isso é correcto, não sei, porque eu, de caça, só percebo dela no prato). Mas como é fácil de perceber, o nome da propriedade não nasceu à toa. De facto, quando eu comecei a ir para a Tapada, os coelhos andavam debaixo dos meus pés.”

Uma coisa é certa. Joaquim Silveira – homem que cultivou os prazeres desta vida – era tão apaixonado pela cultura francesa que não descansou enquanto não plantou Chardonnay e Cabernet Sauvigon na propriedade, castas que vieram a dar vinhos falados e cobiçados. “Ele, numa garrafeira que montou em Cascais, tinha todos os vinhos famosos de França – às caixas, atenção, não era uma garrafa ou outra. Então em matéria de Château d'Yquem, com destaque para o 1925 – era uma coisa que me deixava de boca aberta. Certa vez, num dia do meu aniversário, fez questão que fosse almoçar com ele. Bebemos coisas raríssimas e, no final, ofereceu-me um Château Petrus”, diz-nos António Saramago, que, aos 77 anos, ainda anda por aí a fazer vinhos. “Comecei nesta vindima um projecto na serra da Arrábida. Quando os vinhos estiverem em condições, faço questão que os prove.” Certo.

Provar nozes como quem prova vinho

Ora, as nogueiras não são só um assunto sério em França como, nalgumas regiões, até estão próximas das vinhas. Por outro lado, a estratégia da Tapada de Coelheiros assentou sempre num projecto agrícola diverso e em associação de culturas, porque isso permite produzir bens alimentares de forma sustentável e sem recurso a produtos fito farmacêuticos. Repare-se que nestes 800 hectares produz-se vinho, azeite, mel, borregos, veados, gamos, montado, hortícolas e nozes – tudo em modo biológico e com suporte nas técnicas regenerativas.

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Provámos as variedades Pedro, Lara, Chandler e Franquetta Miguel Madeira

Por estes dias fomos à Tapada de Coelheiros provar nozes como quem prova vinhos, azeites ou queijos. Provámos as tais variedades Pedro, Lara, Chandler e Franquetta. Perante João Raposeira (responsável da área agrícola da tapada) e Frederico López Larrinaga (espanhol, consultor de pomares de nozes em todo o mundo e amante de ópera italiana, com destaque para Puccini), levámos uma daquelas aulas que não nos sairá da memória tão cedo.

A saber, que a nogueira é originária do Norte dos Himalaias, mas que terá chegado à Península Ibérica a partir da Pérsia no tempo do Império Romano (outra tese aponta para a origem da disseminação a partir da região da Trácia); que a nogueira precisa de 1200 horas de frio e solos férteis; que o melhor território para esta cultura em Portugal seriam as margens do Mondego (e ninguém fala disso); que a esperança média de vida de um pomar convencional varia entre 30 e 40 anos (o que não impede o registo de nogueiras centenárias ou milenares); que o consumo de noz cresce a olhos vistos a nível mundial por ser considerado um superproduto; que o comércio está mais interessado em variedades ricas do ponto de vista nutricional do que nos aspectos organolépticos (infelizmente); que há pouco trabalho em matéria de análise sensorial de nozes; e que os turcos são os maiores comilões de nozes, com um consumo per capita de três quilos por ano, enquanto nós e os espanhóis mal chegamos a um quilo.

Cereja em cima do bolo, Frederico trouxe diferentes livros técnicos sobre gestão de pomares de nozes, salientando que o cânone na matéria é o Walnut Production Manual, editado em 1998 pela Universidade da Califórnia e assinado por um tal David Ramos. Ramos? “Isso mesmo, é filho de uma açoriana e de um transmontano e considerado uma referência a nível mundial. Cheguei a estar com ele num congresso em Alcobaça. Tinha uma grande mágoa por não falar português porque os pais, naqueles tempos, não o encorajaram a tal coisa. Bem pelo contrário. Percebia as conversas em português, mas não conseguia falar.”

Vamos lá então tentar descrever as variedades de nozes de Coelheiros, não a partir de uma ficha técnica que por cá parece não existir mas a partir de sensações elementares, que nós não somos especialistas na matéria. Para começar, a francesa Lara. Bem redonda e de grande calibre, tem sabores amanteigados a adocicados, com notas a fazer lembrar cereais (aveia). Ao contrário de outras variedades, é bastante delicada.

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Não saber o ano de colheita é um problema porque os frutos acabam por oxidar com o tempo Miguel Madeira

Já a Pedro, criada nos EUA, pareceu-nos mais amarga e ligeiramente adstringente, inclusive com um toque picante. Alguém entre os provadores amadores sugeriu que pudesse estar mais indicada para uma salada, coisa que mereceu aplausos e logo deu início a um projecto de testes e ligações sensoriais mais exigente. Se acontecer, mais tarde se dará notícia.

Seguiu-se a Chandler, também ela americana e muito cultivada a nível mundial, por ter calibre grande, ser regular do ponto de vista produtivo, ter casca fina e ser precoce (colhe-se em Outubro). A nós pareceu-nos algo entre uma Lara e uma Pedro, mas com carácter mais adocicado, o que nos levou a pensar que seria interessante para entrar nuns bolos ou pudins, em particular no pudim da Joana (a mãe do chef Leopoldo Calhau), que é um doce de se perder a cabeça.

Por fim, a francesa da Franquette, que, produzindo menos, é certinha do ponto de vista agronómico, o que dá jeito numa cultura com grandes oscilações em função dos anos climáticos. Diríamos, sem ofensa, que era mais neutra de sabor, mas com uma textura firme e bem crocante.

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Os consumidores não têm hábitos arreigados no consumo de frutos secos Miguel Madeira

A nossa preferência foi para a Lara, mas isso vale o que vale, porque, em rigor, as quatro variedades surpreenderam-nos pelos sabores e pelo facto de não termos encontrado um defeito comum nas nozes o ranço , por não termos ficado com comichão na garganta, nem termos sentido a boca curtida como se tivéssemos comido um dióspiro verde. Terá isto a ver com o facto de as nozes serem frescas (apanhadas em Outubro) ou com o modo de produção e secagem dos frutos que se pratica em Coelheiros? Não sabemos. Mas que são gulosas, lá isso são.

Pescadinha de rabo na boca

Em rigor, quando compramos nozes nos circuitos comerciais nada sabemos sobre o ano de colheita, o que é um problema porque, com o tempo, e por serem muito ricos em ácidos gordos, os frutos acabam por oxidar, que o mesmo é dizer ficam a saber a ranço, à semelhança do que acontece com um pacote de manteiga ou uma garrafa de azeite deixados em contacto com o oxigénio. E é por isso que muita gente não aprecia nozes. Pudera.

Quem chegou até esta parte do artigo é porque gosta mesmo de nozes e terá vontade de comprar uma ou outra das variedades referidas. Pois, mas aqui há um ligeiro senão com a forma de pescadinha de rabo na boca. Os consumidores não têm hábitos arreigados no consumo de frutos secos, pelo que o nome das variedades nada lhes diz. Por seu turno, o comércio, ciente disso, vende tudo por atacado. Por que razão haveria de colocar nas prateleiras nozes consoante as variedades se ninguém liga a isso?

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As nozes da Tapada de Coelheiros estão à venda no mercado nacional Miguel Madeira

As nozes da Tapada de Coelheiros – assim como as nozes de outros produtores estão à venda no mercado nacional, mas como são entregues num agrupamento de produtores, que compra em diferentes partes do país, este limita-se a colocá-las nas cadeias de retalho, onde, com sorte, saberemos se são ou não portuguesas. E nada mais.

“Este cenário”, como nos disse Frederico Larrinaga, “seria impensável numa das 600 lojas de frutos secos da Turquia. Os turcos não só conhecem bem as variedades como escolhem-nas em função dos terroirs. Duas variedades idênticas plantadas em sítios diferentes podem ter diferenças de preço na ordem dos 400%, só por causa do terroir. Eu posso nem sentir grandes diferenças de sabor, mas eles sentem porque, desde crianças, têm muito apreço por este fruto seco.”

Ainda assim, quem passar pela loja na Tapada de Coelheiros pode comprar nozes em função das variedades. João Raposeira, que é um grande especialista em agricultura regenerativa e olha para a tapada como se esta fosse uma floresta que se auto-regenera, admite que, no futuro, a diversidade das variedades de nozes deverá servir para se criar marca e para valorizar o universo da Tapada de Coelheiros. Uma coisa é certa, no nível de iliteracia sobre nozes em que nos encontramos (e frutos secos em geral) quem for à frente vai colher dividendos. E a Tapada está bem posicionada.

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