Q-Day 2024: vamos sair a ganhar da revolução da IA Generativa?

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PAINEL 1: IA Generativa: da Euforia à Mais-Valia | Visão Global com Execução Local

A criação de valor sobre a IA generativa, nas empresas e nos países, é o grande desafio do momento. Esse objectivo exige esforço de requalificação pessoal, execução estratégica das organizações e ambição das políticas públicas, porque a IA amplia exponencialmente o valor do conhecimento, valorizando muito quem o tem e prejudicando muito quem o não tem. Ideias e conclusões que marcaram a 15ª edição do Q-Day, uma iniciativa da Quidgest, que decorreu na Culturgest, em Lisboa.

A conferência da Quidgest teve a abertura do Secretário de Estado da Modernização e Digitalização, Alberto Rodrigues Silva, que, após deixar uma mensagem de solidariedade com a situação muito grave vivida com os incêndios no Centro e Norte do país, apresentou os eixos da estratégia do governo para a transformação digital.

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Sessão de Abertura: Alberto Rodrigues da Silva, Secretário de Estado da Modernização e Digitalização

Ainda na sessão de abertura, a experiência do país convidado, a Dinamarca, que os organizadores consideram ser uma referência para Portugal, foi apresentada por Maj Tellefsen, Head of Economic Affairs and Trade da embaixada deste país nórdico em Lisboa.

A IA generativa veio elevar a fasquia do que é a transformação digital. Por isso, todos os participantes no Q-Day 2024 receberam um manual sobre como criar valor e soluções próprias de IA generativa, de modo a não serem apenas meros utilizadores de plataformas de IA alheias.

Saber como orientar a máquina, e dar-lhe um briefing correcto para retirar o máximo potencial das suas capacidades de aprendizagem e de automatização na execução de tarefas ainda é uma das grandes dificuldades na utilização de soluções de inteligência artificial (IA) generativa. E, neste processo, como defende Bruno Oliveira, “será o pensamento crítico a fazer a diferença”. Para o Head of Digital Hub & E-Business na SUMOL+COMPAL, “a IA é apenas o ponto de partida para garantir a automatização da execução de tarefas, porque trabalha a informação de forma mais rápida. A selecção do que realmente interessa será sempre uma tarefa humana”.

Bruno Oliveira marcou presença num dos painéis da 15ª edição do Q-Day, que este ano procurou demonstrar as reais mais-valias na utilização da IA generativa depois de praticamente dois anos de euforia, através da partilha de projectos já em execução em várias organizações. No palco, que dividiu com António Neto da Silva, CEO do Instituto de Formação Bancária (IFB), e com João Paulo Carvalho, cofundador da Quidgest, sublinhou que a IA generativa não mente, mas comete erros estatísticos. Ou seja, para que os outputs sejam rigorosos, “não basta perguntar, é preciso dar um bom briefing”. Uma ideia complementada por João Paulo Carvalho: "Saber utilizar faz a diferença". O responsável da Quidgest explica: “Alguém que saiba muito de um determinado tema consegue fazer, com IA, uma coisa brutal, extraordinária. Mas quem domina apenas sofrivelmente um tema vai tirar dali um resultado medíocre. Portanto, aprender continua a fazer sentido.”

Para não ampliar o fosso digital, e para concretizar as tendências que muitas consultoras antecipam para a IA, os participantes neste painel não têm dúvidas de que ainda há muito a fazer, a aprender e a regulamentar. Perspectivas que apontam para um aumento de 40% na produtividade global com a IA até 2035, a automatização de 50% das tarefas entre 2030 e 2060, ou um Produto Interno Bruto (PIB) mundial superior a 15,7 triliões de dólares até 2030, são alguns exemplos das expectativas elevadas sobre o impacto desta tecnologia. “Os países, empresas e indivíduos que mais rapidamente se adaptarem às mudanças serão capazes de aproveitar todo o potencial da IA para a criação de valor e avanço social, obtendo significativas vantagens competitivas”, sublinhou António Neto da Silva.

IA tem de ser ‘human-centric’

“A IA não tem um propósito. São os humanos que lho dão”, apontou João Paulo Carvalho, em jeito de conclusão do primeiro painel, e de ponto de partida para o debate que se seguiu. “A tecnologia tem que ter um propósito porque sem sentido não tem razão de ser”, disse Luísa Ribeiro Lopes. E, para a presidente do Conselho Directivo da Associação DNS.PT, este propósito deve ser o foco nas pessoas que têm de ser formadas e educadas para lidar com o digital e com as mudanças na sociedade e no mundo do trabalho. “É essencial requalificar e incluir porque em Portugal ainda há poucas pessoas com competências digitais avançadas”, recorda, citando os mais recentes dados do DESI (sigla em inglês para Índice de Digitalização da Economia e da Sociedade). “O país ainda precisa muito de qualificação porque esta é a única forma de se manter competitivo numa economia global”.

Adolfo Mesquita Nunes reforça, a propósito de competitividade, que “a IA não é um assunto do IT, é estratégico, e pode tornar uma empresa em campeã ou transformá-la num desastre”. O partner na Sociedade de Advogados Pérez-Llorca, defende que esta tecnologia exige um plano estratégico claro, ético, e com políticas de governança estabelecidas, que assegurem a responsabilização e a supervisão. “A automatização da decisão sem supervisão humana é grave”, alerta o advogado, que recorda o caso holandês que envolveu a Autoridade Tributária Local. Várias pessoas foram notificadas para devolver apoios do Estado e, em alguns casos, este erro digital transtornou por completo as suas vidas. “A IA pode anular os nossos enviesamentos, mas também pode perpetuá-los”.

Transformar os serviços públicos e o relacionamento com os cidadãos na área da saúde é uma mudança que deve igualmente ser feita com propósito e com foco nas pessoas. Mas, antes de introduzir soluções complexas suportadas por IA, Pedro Fradinho Marques considera essencial trabalhar a qualidade dos dados. O Head of Advanced Analytics and Intelligence na SPMS, EPE - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, apresentou alguns dos projectos em curso, entre os quais um Datalake na Saúde. Com o apoio do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o projecto pretende melhorar a prestação dos serviços através da análise de dados, dar suporte à tomada de decisão clínica, promover a inovação, a investigação, e o conhecimento, e fomentar a partilha de dados transfronteiriços.

Outro projecto com impacto nos profissionais de saúde e nos cidadãos é o Speech-to-text & NLP na Saúde, uma solução que visa reduzir o tempo perdido com a inserção de dados em cada consulta. A ferramenta converte a conversa entre o utente e o médico em texto e, através de modelos inteligentes, é transformada em dados clínicos e acções rápidas associadas (diários clínicos, vigilâncias, lista de problemas, prescrição, etc.). “O impacto da IA Generativa na Gestão Pública tem servido para melhorar a eficiência de processos e para fomentar uma relação mais próxima e eficaz com os cidadãos”, reforçou António Guedes de Amorim. O sales director da Quidgest acredita que o potencial de evolução na Administração Pública é grande pois “tem sede de inovação”.

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Vencedores dos Prémios de Co-Inovação 2024

Antes da pausa para o almoço ainda houve tempo para destacar o trabalho e os projectos de clientes e parceiros da Quidgest. Os Prémios Co-Inovação são atribuídos anualmente e galardoam a criatividade, a criação e a inovação. Ao todo foram entregues 15 prémios pelas mãos de Cristina Marinhas, CEO da Quidgest.

Adopção, inovação e co-criação

Um aumento, em média, de 22 a 30% na produtividade e de 6% nas receitas é o quadro traçado pela Accenture no que respeita ao impacto da IA no sector bancário. Os dados foram citados por Madalena Talone, administradora da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que revelou à plateia que o banco estatal já processa mais de 14.000 documentos sem intervenção humana, o que resulta de 60% de automação de processos, nos quais a IA já marca presença. Redução de custos e melhores níveis de serviço levam o banco a continuar a sua aposta neste caminho. “Estamos focados no desenvolvimento de uma governança para a IA, que resultará na criação de um repositório centralizado para inventariar todos os casos de uso desta tecnologia, riscos de acesso e compliance”, disse a responsável, que reconhece o valor acrescentado desta tecnologia no negócio bancário.

Aproveitando a referência à criação de valor proporcionada pela introdução estratégica da IA no negócio da CGD, Marcelo Ribeiro, Generative AI Strategist na Quidgest, deu dois exemplos claros do que a empresa entende por IA generativa que acrescenta valor. O primeiro, um assistente de IA generativa para a criação automática de mapas da estratégia e de indicadores-chave do desempenho (KPI). O segundo, um assistente para a modelação de sistemas de informação complexos e geração automática de software empresarial, nomeadamente de gestão financeira ou de recursos humanos. São dois casos em que o conhecimento profundo de especialistas complementa de forma adequada a inteligência artificial. “É este tipo de soluções que permite às tecnológicas portuguesas competir com grandes marcas, vender produtos e ganhar projectos de IA generativa em qualquer lugar do mundo”, disse.

Já Nuno Brás, cofundador da DareData Engineering, empresa especializada em projetos de IA, preferiu deixar algumas recomendações sobre o roadmap a traçar para quem está a iniciar um caminho com soluções IA. Em jeito de analogia com a receita de um saboroso cocktail, o responsável destacou os ingredientes: “Não reinventem a roda, preparem todos os sistemas IT para interfaces semânticos, usem uma nova abordagem para pensar os use cases e processos de negócio e questionem se o trabalho pode ser feito por agentes IA. No final, preparem uma framework para suportar tudo isto”. O orador finalizou a sua intervenção salientando que o valor acrescentado de cada projecto resultará da forma como humanos e IA trabalham em conjunto por que “os sistemas IA têm de ser tão confiáveis como os humanos”.

A fechar o painel, Sofia Rolo, Project Manager na Unicorn Factory Lisboa, destacou a importância da criação de ecossistemas de inovação como aquele que representa para que start-ups, academia, empresas públicas e privadas possam cocriar soluções com impacto real na vida das pessoas. Criar um ecossistema ‘state-of-the-art’ em Lisboa é o objectivo da Fábrica de Unicórnios, que quer ser reconhecida internacionalmente como um hub tecnológico que, entre outras coisas, contribuiu para a adopção crescente da IA em Portugal e na Europa. “Vamos abrir até ao fim do ano um novo hub, em Alvalade, só para start-ups de IA”, anunciou a responsável, que lembrou que os investimentos em IA em Portugal deverão atingir os 100 milhões de euros, em 2024, segundo dados da IDC, com um crescimento anual na ordem dos 25%. O problema, diz Sofia Rolo, “é a dificuldade em contratar colaboradores com as competências necessárias”.

E que competências podemos dizer que são à prova de futuro? Além do pensamento crítico, no topo da lista do World Economic Forum, o investigador especializado em IA Generativa e Criatividade Computacional, Luís Espírito Santo, defende que as competências mais valiosas no futuro terão de ser adquiríveis, valiosas, escassas, e difíceis de automatizar.

Já Fernando Félix, Cofundador & CTO da inncivio, acredita que a aprendizagem contínua é um factor diferenciador. “A IA generativa é um ‘game changer’ para a aprendizagem pois cria caminhos de ensino à escala e à medida”. Uma opinião partilhada por Hugo Ribeiro, responsável pela área de People Operations da Quidgest: “O futuro do trabalho já chegou, e a IA está aí para mudar a forma de trabalhar”.

O Q-Day 2024 contou ainda com a Dinamarca como país convidado, uma escolha que mostra como a dimensão reduzida de um país não deve ser um factor limitador do seu crescimento ou capacidade de inovação. “A Dinamarca, com menos de seis milhões de habitantes, tem conseguido uma projecção internacional notável, especialmente no sector tecnológico, e prova que a dimensão não é um obstáculo intransponível à competitividade global”, disse João Paulo Carvalho, à margem da conferência. O exemplo dinamarquês, explica, deve servir de incentivo para que Portugal acredite nas suas próprias capacidades. “Os dois países podem aprender um com o outro”, acredita David Pereira Castro, presidente da SPOT Nordic, uma associação com a missão de mostrar o valor da comunidade portuguesa residente nos países nórdicos.

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