Com contrato (temporário), mas na pobreza

O retrato feito pelo relatório Portugal, Balanço Social, mostra que jovens e imigrantes estão numa situação frágil no mercado de trabalho e as desigualdades nos rendimentos continuam elevadas.

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Ter um contrato de trabalho em Portugal não é sinónimo de escapar a situações de pobreza. Em 2022, uma em cada 10 pessoas empregadas era pobre. Como se explica este aparente contraste? O tipo de contrato celebrado é uma das razões, aponta o relatório Portugal, Balanço Social, referindo que o risco de pobreza é quase o triplo entre quem tem um contrato temporário e quem tem contrato sem termo.

O relatório, fruto da Iniciativa para a Equidade, uma parceria entre a Fundação ”la Caixa”, a Nova SBE e o BPI, aprofunda ainda mais esta questão, sublinhando os dados por faixa etária. Os jovens que se encontram no início da sua vida activa são os que têm mais contractos temporários. Em 2023, representavam 52,4% dos trabalhadores entre os 18 e os 24 anos. Na geração seguinte, entre os 25 e os 34 anos, eram 24,4%. Isto é, esta relação de fragilidade no mercado de trabalho afectava metade e um quarto das pessoas nestas faixas etárias, respectivamente. A percentagem descia, entre os 35 e os 54 anos, para 11,8%.

O relatório, que está já na sua quarta edição, indica também que 16,1% dos trabalhadores com ensino superior, 18,7% dos trabalhadores com ensino secundário e 13,4% dos trabalhadores com ensino básico são trabalhadores temporários. Se analisada a origem das pessoas, 14,9% dos portugueses, 38,5% dos estrangeiros de fora da Europa e 25,5% dos europeus são trabalhadores temporários.

Um destaque ainda para o teletrabalho que é prevalente nas pessoas com maior salário/hora, com ensino superior, jovens e europeus.

Esta é realidade nacional entre 2021 e 2023, contada através de um conjunto alargado de fontes coligidas neste Portugal, Balanço Social. Entre estas fontes estão o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento de 2022 (ICOR 2022), recolhido pelo Instituto Nacional de Estatística em 2022, o Inquérito ao Emprego, o Eurobarómetro e os dados da Segurança Social e do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) de 2023.

São elas que permitem também perceber como evoluiu a taxa de pobreza de acordo com a condição perante o trabalho. Para as pessoas empregadas, esta estava nos 10%, em 2023 – uma descida de 0,3 pontos percentuais face ao ano anterior. Entre os desempregados, registou-se uma subida para 46,4%.

Desigualdades no rendimento continuam elevadas

O rendimento é uma outra vertente desta análise realizada pela equipa do Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center, constituída por Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Miguel Fonseca. Se “entre 2008 e 2020, se observou uma redução da desigualdade na distribuição do rendimento em quase todos os indicadores”, referem os autores, “entre 2020 e 2021, a tendência inverteu-se”. Os 10% mais ricos detinham, em 2022, quase oito vezes mais rendimento disponível do que os 10% mais pobres. Também em 2022, 25% dos mais ricos detinham cerca de 47% da riqueza do país, os 25% mais pobres, apenas 10,8%. Os agregados mais pobres eram também os que despendiam a maior fatia do seu rendimento (38,8%) apenas com encargos com a habitação.

Quando observada a frequência escolar das crianças, também o rendimento tem influência. Quase 8 em cada 10 crianças pobres não têm acesso à creche e, entre os 4 e os 7 anos, estas são também as que menos frequentam o pré-escolar. “A escolaridade tem um papel importante na mitigação da transmissão intergeracional da pobreza”, alerta o relatório.

Uma conclusão importante apresentada pelo relatório é a relevância das transferências sociais. Se estas não existissem além das pensões, em 2022, mais 520 mil pessoas estariam em risco de pobreza. “Tanto a intensidade e a severidade da pobreza, como a desigualdade, aumentariam substancialmente na ausência de transferências sociais”, lê-se neste documento, que adianta que o custo para elevar o rendimento de todos os pobres para a linha de pobreza seria superior a 18,6 mil milhões de euros – com a existência destas transferências sociais, o total é de 3 mil milhões.