Arvid Bell: “Um cessar-fogo não é prioritário para Moscovo neste momento”

Especialista em estratégia negocial e análise de conflitos da Universidade de Harvard diz que a Rússia quer “solidificar a sua posição militar” para “ter mais poder” nas negociações com a Ucrânia.

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Bell admite que durante as primeiras negociações, na Bielorrússia (na imagem), a Rússia não estava a negociar de boa-fé MAXIM GUCHEK / BelTA / EPA

Apesar de realizadas várias rondas de negociações entre as delegações dos Governos ucraniano e russo, ao 24.º dia e guerra, um acordo de cessar-fogo na Ucrânia ainda parece estar longe de ser alcançado.

Se o primeiro foco, nas reuniões presenciais na Bielorrússia, foi a abertura de “corredores humanitários” para permitir a fuga de civis, as últimas conversas, por videoconferência, já abordaram possíveis soluções para um estatuto de “neutralidade” da Ucrânia – uma das exigências de Vladimir Putin, a par da “desnazificação” e da “desmilitarização” do país.

Kiev rejeita, porém, “ultimatos inaceitáveis” de Moscovo ou abrir mão de território. Para além disso, critica uma negociação que ocorre ao mesmo tempo que caem bombas sobre civis e exige “garantias securitárias” da Rússia e dos países vizinhos.

Arvid Bell sublinha que, antes de tudo, é necessário que “ambas as partes” tenham “um interesse partilhado por um cessar-fogo”. E isso não é totalmente claro do lado russo.

Respondendo ao PÚBLICO, por email, o professor da Universidade de Harvard, especialista em estratégia negocial e análise de conflitos, e director da Negotiation Task Force – uma iniciativa do Centro Davis de Estudos Russos e Euro-asiáticos que analisa processos negociais em contexto de crise – defende que a Rússia “está interessada em solidificar a sua posição militar”, antes de definir esse objectivo como “prioritário”.

O que é que podemos concluir daquilo que se sabe, até ao momento, das negociações entre Kiev e Moscovo?
Que um cessar-fogo não é prioritário para Moscovo neste momento. Para as negociações serem bem-sucedidas, ambas as partes têm de ter um interesse partilhado por um cessar-fogo, mesmo que não tenham a mesma urgência em alcançá-lo.

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Davis Center for Russian and Eurasian Studies - Harvard University

As partes – e, particularmente, a Rússia – estão a negociar em boa-fé?
Ao início, não. Mas as coisas estão a mudar um pouco. As negociações na Bielorrússia, às quais o Kremlin enviou funcionários menores, não produziram grandes progressos. Moscovo está interessada em solidificar a sua posição militar para conseguir mais poder na mesa das negociações. Contudo, depois de os ministros dos Negócios Estrangeiros terem começado a falar, as coisas começaram a avançar. Nesse sentido, agora há uma janela de oportunidade para um cessar-fogo, mas é muito pequena.

É possível qualquer acordo de cessar-fogo sem envolver políticos de alto nível de ambos os lados – Presidentes, primeiros-ministros, ministros dos Negócios Estrangeiros, etc.?
Provavelmente, não.

O que é que acha que a Ucrânia estaria disposta a sacrificar para acabar com esta guerra?
Eles [os ucranianos] já disseram que a ‘neutralidade’ está em cima da mesa, por isso estarão dispostos a abdicar da opção de aderirem à NATO. Mas será que Kiev vai deixar escapar a Crimeia [anexada pela Rússia em 2014] e o Donbass [onde há duas províncias separatistas]? Provavelmente, não. A Crimeia, particularmente, seria uma questão muito difícil de resolver.

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