As medidas que caem se o OE2022 for chumbado e as que o Governo pode deixar cair

São muitas as medidas que poderão ficar sem efeito se o Orçamento do Estado for chumbado, da descida do IRS ao aumento das pensões, passando pelo pacote laboral e pelo relativo ao SNS.

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Boa parte das medidas anunciadas por António Costa poderá cair se o Orçamento não for aprovado LUSA/MIGUEL A. LOPES

O cenário iminente de chumbo do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) terá como consequência garantida a queda de muitas das medidas anunciadas ao longo das últimas semanas e que, sem aprovação em sede orçamental, não terão pernas para andar. É certo que medidas relacionadas com matéria fiscal, que é reserva de competência da Assembleia da República, poderão sempre ser aprovadas pelo Parlamento; no entanto, o tempo para o conseguir seria curto devido à dissolução do Parlamento, além de que não deixaria de ser difícil assegurar entendimentos que permitissem tais aprovações. 

Depois de nesta segunda-feira ter ouvido o secretário-geral do PCP anunciar o voto contra o OE2022, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, considerou que será “difícil explicar” aos portugueses o porquê de não poderem beneficiar das muitas medidas anunciadas pelo Governo para tentar assegurar a viabilização do Orçamento junto dos parceiros preferenciais da esquerda parlamentar.

E que medidas são essas? Relativamente a impostos, cairá o desdobramento de dois escalões (3.º e 6.º) do IRS, o reforço do IRS Jovem, o englobamento dos rendimentos (aplicável às mais-valias mobiliárias), o aumento de 200 euros do mínimo de existência (que isenta do pagamento de IRS cerca de 170 mil contribuintes) ou a dedução majorada de IRS no segundo filho até aos seis anos de idade.

Quanto às pensões, os pensionistas deixariam de beneficiar do aumento extraordinário de dez euros das pensões até 1097 euros (mais de dois milhões de pensionistas) previsto para Janeiro, além de que não seria eliminado o chamado “factor de sustentabilidade” para pensionistas com mais de 60 anos e com pelo menos 80% de incapacidade durante, no mínimo, 15 anos, uma medida que o executivo mostrou abertura para prosseguir como forma de recolher apoio da esquerda à sua proposta de OE2022.

No domínio laboral, a suspensão da caducidade das convenções colectivas, que num esforço de última hora o Governo admitiu ser mesmo por tempo indeterminado, não teria de cair necessariamente, dado que este é um tema que estava a ser tratado extra-orçamento, isto é, era uma contrapartida que o executivo estava disposto a conceder ao Bloco e ao PCP como moeda de troca para a viabilização do OE2022. No entanto, sem Orçamento seria bem menor a pressão para o Governo avançar com uma medida que tanto descontentamento gerou junto dos patrões. 

Já o aumento do salário mínimo nacional em 40 euros para 705 euros em 2022 poderia não cair, uma vez que mesmo um Governo em plenitude de funções (mesmo que o Parlamento seja dissolvido) pode legislar e aprovar um diploma nesse sentido. Mais complexo seria o cumprimento dessa medida, dado que deveria pressupor a aprovação de um orçamento rectificativo para acomodar esse aumento da despesa para os funcionários do Estado. O compromisso anunciado pelo Governo de chegar aos 850 euros de salário mínimo em 2025 poderia, ou não, ser posto de lado pelo executivo na senda de eleições antecipadas, mas isso dependeria do programa e estratégia política do PS. 

Ainda nos rendimentos, o aumento salarial de 0,9% aos funcionários públicos ficaria sem efeito.

Sobre as empresas, são muitas as medidas anunciadas que não chegariam ao terreno: o alargamento do Fundo de Tesouraria de Apoio às micro e pequenas empresas (750 milhões de euros); o fim do pagamento especial por conta, a possibilidade de empresas com dívidas fiscais poderem pagá-las durante 60 meses; dedução de 10% do valor à colecta de IRC para empresas que no primeiro trimestre de 2022 atinjam o investimento médio dos últimos três anos.

A gratuitidade progressiva das creches a partir do próximo ano lectivo, o reforço das verbas para o Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos (PART) e para “a densificação da oferta de transportes públicos”, o regime extraordinário de incentivos para fixação de médicos de família em zonas carenciadas​, o congelamento por mais um ano das rendas antigas, o fim da taxa semestral a pagar pelos operadores de serviços de televisão por assinatura de dois euros por subscritor ou o reforço de 700 milhões de euros do orçamento do Serviço Nacional de Saúde seriam também medidas sem efeito.

Já o pacote de medidas aprovado e anunciado pelo Conselho de Ministros da semana passada nas áreas laboral, de saúde e na cultura não seria posto em causa pelo chumbo do OE2022, uma vez que foi aprovado à margem do Orçamento enquanto instrumento negocial no âmbito do Orçamento. São exemplo dessas medidas a subida para 24 dias de indemnização por cessação do contrato a tempo certo e incerto, a reposição do valor de trabalho suplementar após as 120 horas extras, médicos em exclusividade no SNS com regalias, o Estatuto dos Profissionais da Cultura.

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