Dores de crescimento

A pressão que o jovem comum sofre para ter excelentes notas e ser bem-sucedido na escola é enorme. Devido à competitividade existente no mercado de trabalho, carregámos desde cedo um fardo pesadíssimo, vivendo obcecados com o desempenho académico.

Foto
Unsplash

Hoje resolvi escrever um pouco acerca das dores de crescimento que afrontam a nossa geração. Quando falo em dores de crescimento, não me refiro ao processo, por vezes algo doloroso, pelo qual alguns jovens passam na sua adolescência. Refiro-me sim ao desenvolvimento da nossa sociedade nas últimas décadas e às “dores” que estas trouxeram aos nossos jovens.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Hoje resolvi escrever um pouco acerca das dores de crescimento que afrontam a nossa geração. Quando falo em dores de crescimento, não me refiro ao processo, por vezes algo doloroso, pelo qual alguns jovens passam na sua adolescência. Refiro-me sim ao desenvolvimento da nossa sociedade nas últimas décadas e às “dores” que estas trouxeram aos nossos jovens.

Ao dia de hoje, nos países ditos desenvolvidos, é comummente aceite a imoralidade do trabalho infantil, tanto é que, por exemplo, de acordo com o art. 32º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, este passou a ser ilegal em todos os estados membros. Como seria de esperar, esta é uma medida na qual, como muitos europeus, me revejo. Ainda assim, é sempre bom recordar as histórias de pais e avós que não raras vezes nos dizem que com 13 anos já trabalhavam e eram “homenzinhos”, aludindo ao facto de, no seu entender, algumas destas gerações serem algo preguiçosas e não quererem “sujar as mãos” à procura de emprego. Se de facto este progresso da sociedade serviu para dar algum conforto aos nossos jovens, impedindo que estes, ainda na sua infância, abandonassem a escola, a verdade é que essas mesmas crianças, adolescentes e pré-adolescentes enfrentam hoje problemas tanto ou mais graves do que aqueles que os nossos pais e avós enfrentavam na sua época.

“Naquele tempo”, também nos dizem, “não faltava trabalho”. Os jovens, ao contrário do que se possa pensar, estavam munidos de uma maior liberdade e estabilidade nas suas vidas. Isto é, eles sabiam que caso abandonassem o seu emprego, ora por não gostarem do seu patrão, ora por detestarem a função que estavam a desempenhar, ou por outro qualquer motivo, rapidamente arranjariam trabalho num outro local.

Em sentido inverso, os nossos jovens, beneficiando, de forma geral, de um maior conforto material (escolas, universidades, hospitais, tecnologia, lazer, etc.), enfrentam hoje desafios com os quais as anteriores gerações não se depararam. É neste sentido que a saúde mental ganha enorme relevância. A quantidade massiva de informação com que somos inundados diariamente por via do desenvolvimento das TIC, os constrangimentos do mercado de trabalho, que não só acentua o desemprego jovem, como também persiste numa política de baixos salários, cria sentimentos de elevada ansiedade e pressão nestas faixas etárias.

A saúde mental, tantas vezes descurada e agora, por fim, finalmente valorizada com o surgimento da pandemia de covid-19, é um tema que cada vez mais tem estado na ordem do dia. A pressão que o jovem comum sofre para ter excelentes notas e ser bem-sucedido na escola é enorme. Devido à competitividade existente no mercado de trabalho, carregámos desde cedo um fardo pesadíssimo, vivendo quase como que obcecados com o seu desempenho académico. É cada vez mais comum o sentimento de apatia ou de revolta de algumas destas gerações, algumas porque não gostam daquilo que estudam, outras porque não têm qualquer interesse na área em que trabalham, justificando que apenas optaram pelo curso “x ou y” por influência dos pais e família, ou porque era um curso que tinha elevada taxa de empregabilidade.

É uma realidade que enquanto jovem me entristece. Não é aceitável que numa sociedade moderna tenhamos que conceber o nosso projecto de vida em função da taxa de empregabilidade de determinado curso ou área, porque caso optemos por aquilo que efectivamente mais gostamos e nos vemos a dedicar grande parte da nossa vida isso não nos garanta condições de poder pôr “pão na mesa”.

Como vimos, demos mais conforto à nossa gente, incluindo aos mais jovens, aumentámos a idade da escolaridade obrigatória, adoptámos um serviço de saúde que chega a toda a gente, simplificámos tarefas com a introdução das tecnologias de informação, mas este processo, como qualquer um, trouxe consigo outras dores, as “dores de crescimento”.