Acusação pede clemência para Valérie Bacot, violentada pelo ex-padrasto e marido que acabou por matar
Francesa de 40 anos, que teve quatro filhos com o homem que a começou a violar quando tinha 12 anos, deverá sair em liberdade. “Uma nova prisão não aumentará a protecção [da sociedade]”, defende procurador.
Valérie Bacot, “vítima” do marido violento, seu ex-padrasto, que a prostituiu durante 14 anos e maltratou durante muitos mais, não conteve as lágrimas e perdeu os sentidos quando o procurador defendeu que devia sair do tribunal em liberdade.
Bacot, de 40 anos, começou a ser julgada na cidade de Chalon-sur-Saône na segunda-feira. Esta sexta-feira, ouviu o procurador pedir que fosse condenada a cinco anos de cadeia, incluindo quatro de pena suspensa – com um ano de prisão preventiva já cumprido, entre 2017 e 2018, pode assim ficar livre.
Afirmando que a francesa “não podia tirar a vida daquele que a aterrorizou”, o procurador-geral, Eric Jallet, afirmou que “um Tribunal Penal é a afirmação dos valores da civilização que, antes de mais nada, protegem a vida” e que “uma sociedade que faz justiça pelas próprias mãos é a guerra de uns contra os outros”. Mas lembrando que os quatro filhos que teve com Daniel Polette precisam da “acusada”, defende que “uma nova prisão não aumentará a protecção [da sociedade]: o perigo de crime é muito fraco”.
O procurador não deixou de lembrar que, sendo “claramente uma vítima”, Bacot estava ali no “seu julgamento”, “não num fórum de opinião": mais de 700 mil pessoas assinaram uma petição a pedir que fosse libertada, com muitos a defenderem que o caso mostra como tanto está por fazer no combate à violência doméstica em França. Pelo menos 55 mulheres já foram assassinadas pelos seus actuais ou ex-parceiros em 2021.
Durante as audiências desta semana, a defesa descreveu a “violência extrema” que Bacot sofreu às mãos de Polette “durante quase 25 anos” e sublinhou o seu “medo de ver essa violência perpetuar-se contra a sua própria filha”, Karline, que tinha 14 anos na altura do assassínio. Segundo relatou Bacot, a adolescente dissera-lhe que o pai começara a fazer-lhe perguntas sexualmente sugestivas.
Peritos em psiquiatria e psicologia testemunham que a única “saída”, do ponto de vista da acusada, era “fazer desaparecer” o seu marido, já que vivia sob “vigilância” rígida e “controlo permanente”.
Em tribunal e no livro “Tout Le Monde Savait” (“Toda a Gente Sabia”), que publicou em Maio, Bacot contou como Polette a violou pela primeira vez quando namorava a sua mãe, tinha ela 12 anos. Aos 17, e já depois de ter sido preso, condenado a quatro anos de prisão por violação de menores e solto ao fim de dois, voltando a envolver-se com a mãe, engravidou-a. A mãe expulsou-a de casa e ela acabou a viver com Polette, selando em definitivo a relação de dependência.
Impedida de falar com outras pessoas, testemunhou que era frequentemente espancada com violência e ameaçada com uma pistola – os seus três filhos que eram maiores quando o pai morreu confirmaram isso mesmo em tribunal, acusando a polícia de nada fazer para proteger a família.
Nos 14 anos finais, Polette, que era alcoólico, deixou o trabalho como motorista e passou a obrigá-la a prostituir-se numa carrinha que o próprio adaptou e onde a conduzia até à mata onde marcava com os clientes.
Foi com a pistola do marido, que ele escondia na carrinha, e depois de ter sido violada por um cliente, que Bacot o matou, com um tiro na nuca, a 13 de Março de 2016, tinha ele 61 anos. Dois dos filhos ajudaram-na a esconder o corpo.