Na Weat, cozinheiros voluntários preparam refeições para médicos e enfermeiros
Sopa, prato principal, sobremesa – 200 doses todos os dias. Uma cozinha de apoio a projectos de restauração reinventou-se para fornecer comida ao pessoal de dois hospitais. As equipas de vários restaurantes ajudam.
Com os seus dois restaurantes fechados, um deles definitivamente, Joaquim Saragga Leal ofereceu-se nos últimos dias como voluntário para a cozinha Weat, em Alcântara, Lisboa, de onde estão a sair diariamente 200 refeições, com sopa, prato e sobremesa, destinadas aos médicos e enfermeiros dos hospitais de Santa Maria e Beatriz Ângelo, em Loures.
A ideia surgiu no final de Janeiro e começou mais modesta, apenas com os três sócios da Weat a cozinhar. Neste momento já estão envolvidas perto de 100 pessoas, todas em regime de voluntariado – desde chefs de cozinha e as suas equipas, que vão cozinhar, até pessoas que se disponibilizaram para fazer as entregas.
A Weat Gastronomic Hubs transformou-se na Weat Gastronomic Hugs e várias empresas quiseram apoiar a iniciativa: os supermercados Lidl estão a fornecer todos os alimentos, a Unicer e a Centralcer, as águas, a Seda está a dar as embalagens, a Lugrade, o bacalhau, e muitas outras marcas estão a colaborar com donativos em bens.
A Weat foi pensada originalmente para ser uma dark kitchen, as cozinhas de apoio à produção que funcionam como incubadoras de novos projectos ou base para as operações de take-away e entrega ao domicílio. Mas se há, neste momento, projectos a funcionar nos espaços individuais que podem ser alugados — quando visitamos o local, os responsáveis pela Badochas, marca de hambúrgueres, estão lá a trabalhar — o espaço colectivo, com bancadas de cozinha, não se presta muito a este tempo de distanciamento social.
Frederico Carneiro, um dos sócios, conta que começaram o apoio aos hospitais sem prever que a operação ia crescer desta maneira. “No início, pensámos que não podíamos lá chegar e entregar assim a comida. Entrámos em contacto com o departamento de doações do Santa Maria e eles disseram que estavam super disponíveis, que tinham pessoas a trabalhar 12 e 14 horas seguidas, às vezes sem terem o que comer.”
Sublinha um ponto, para não haver equívocos: “Não são pessoas que passam fome. Temos ouvido comentários a dizer que em vez de ajudarmos os médicos, devíamos ajudar os sem-abrigo. Nós escolhemos um problema, estamos a ajudar nesse, o que não quer dizer que não existam outros mais graves.” O que perceberam foi que o pessoal dos hospitais não tinha tempo para preparar refeições e, em certos casos, nem sequer para ir beber água. E os hospitais mostraram-se agradecidos pela iniciativa.
Por outro lado, os restaurantes envolvidos — Taberna do Calhau, Taberna do Sal Grosso, Miguel Castro e Silva, Grupo Avillez, Tapisco, Pigmeu, entre outros — ficam satisfeitos por poderem dar trabalho às equipas que, devido às medidas impostas pelo confinamento, estão paradas. “Queríamos poucas pessoas ao mesmo tempo e que estivessem habituadas a trabalhar juntas”, explica Frederico.
No dia em que Joaquim Saragga Leal veio trabalhar, partilhou a cozinha com uma senhora, que, não sendo profissional, queria muito ajudar. “É um caso muito particular”, conta Frederico. “Ligou-me dizendo que os pais tinham morrido em Santa Maria há já algum tempo, de doenças terminais, e ela tinha gostado tanto das equipas do hospital que queria retribuir de alguma forma.”