Virginia Woolf para menores
O conto A Cortina da Senhora Lugton foi encontrado entre as páginas do manuscrito do romance Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Data de 1924, mas não se nota.
A senhora Lugton adormeceu com um tecido azul sobre os joelhos. “Estava a ressonar muito alto. Deixou cair a cabeça; os óculos haviam-lhe subido para a testa. Estava sentada perto do guarda-fogo, com o dedo indicador voltado para cima e protegido com um dedal. Uma agulha com fio de algodão descia-lhe pela mão. Ela ressonava e ressonava.”
Aproveitando o sono da governanta, os animais que cobriam o pano azul, destinado a uma cortina para a sala de visitas, começaram a sua caminhada até ao lago.
Depois de escutarem cinco vezes o ressonar da senhora Lugton, “o antílope fez um aceno de cabeça para a zebra, a girafa cravou os dentes na folha mais alta da árvore e todos os animais começaram a agitar-se e a fazer cabriolas”. Começava a festa.
Era sempre assim quando ela adormecia, a “poderosa ogra” que tinha feito um encantamento aos animais selvagens “e os prendia nas suas teias”. Até a velha rainha da cidade Millanmarchmantopolis o sabia. Por isso, “ninguém fazia mal aos belos animais selvagens”.
Assim que Lugton acordava, retomavam os seus lugares. E ela a sua agulha.
Uma história simples, imaginativa e muito bem descrita. Foi publicada pela primeira vez em 1965. Esta edição bilingue (português e inglês) é de 2019 e conta com as coloridas e envolventes ilustrações de Magali Attiogbé, natural do Togo, mas a viver em França desde a infância.
Com vários livros em que representa animais, a ilustradora e artista plástica dá-lhes sempre uma configuração e expressão originais, tornando simpático e amistoso qualquer bicho selvagem.
Costurar e cantar
No site, Magali Attiogbé revela um pouco da sua biografia, o que ajuda a perceber a facilidade com que terá ilustrado uma narrativa desta natureza. “Nasci em Atakpamé, Togo, na década de 1980, cheguei a França com três anos de idade. A partir daí, herdei o animal sagrado da minha família: a pitão.”
Depois de concluir um bacharelado em Literatura, estudou Artes Aplicadas em Lyon e em Paris. Em 2002, obteve um diploma de ilustração na escola Estienne.
“Desde então, tenho trabalhado em projectos tão variados como cartazes, livros, jornais, cartões postais, pratos, brinquedos, camiões...”, descreve. Diz ainda que pratica “costura e canto, às vezes até os dois ao mesmo tempo”. Ilustrar A Cortina da Senhora Lugton deve ter mesmo vindo a calhar…
Revela também alguns dos seus clientes: Milan, Djeco, Amaterra, Mango, Flammarion, Rue du monde, La Martinière jeunesse, Gallimard Jeunesse, Larousse, Edições Bayard, Nathan, Magnard, Hazan o papelão, La Maison est en carton, Retz, Bordas, Fondation Cartier. Não são poucos.
Escrita inovadora
Virginia Woolf nasceu em Hyde Park Gate, Londres (Reino Unido) em 1882. O seu pai, Sir Leslie Stephen, era crítico literário. A partir de 1904, a escritora foi viver para Bloomsbury, com o irmão, Thoby, e a irmã, Vanessa Bell, pintora. As reuniões que mantinham com outros escritores e artistas deram origem ao conhecido Bloomsbury Group. Foi aí que conheceu o que seria seu futuro marido, Leonard Woolf, com quem fundou a Hogarth Press. Publicavam, além dos livros de Virginia Woolf, obras de T. S. Eliot, E. M. Forster e Katherine Mansfield, assim como traduções de Freud.
Informa a editora: “O primeiro romance de Virginia Woolf, A Viagem, foi editado em 1915, mas seria O Quarto de Jacob (1922) a suscitar o seu reconhecimento como uma escritora inovadora. Essa evolução seria confirmada em Mrs. Dalloway, onde a sua escrita captou a evanescente matéria da vida e as fugidias experiências de Clarissa, através de um tempo psicológico e reversível.”
Foi entre as páginas do manuscrito deste livro que foi encontrada a história A Cortina da Senhora Lugton, mas Virginia Woolf escreveu ainda outro conto para os sobrinhos, A Viúva e o Papagaio, editado em Portugal pela Porto Editora.
Morreu perto dos 60 anos porque quis. Atirou-se ao rio Ouse a 28 de Março de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Já tinha publicado nove romances, sete volumes de ensaios, duas biografias, um diário e vários contos.
Descreve a editora nas orelhas do livro (dobras da capa e da contracapa): “Antes escrevera ao seu marido: ‘Tenho a certeza de que vou enlouquecer outra vez. E sinto-me incapaz de enfrentar de novo um desses terríveis períodos. Começo a ouvir vozes e não consigo concentrar-me (…). Se alguém pudesse salvar-me serias tu (…). Não posso destruir a tua vida por mais tempo.’ E, finalmente, uma frase inesperada, que retoma a que Terence diz a Rachel morta, em A Viagem, o seu primeiro romance: ‘Não creio que dois seres pudessem ser mais felizes do que nós o fomos’.”
Talvez possamos adiar por uns tempos dar às crianças a informação destes dois últimos parágrafos.