André Silva: Esquerda e PSD “estão a fazer frete ao Governo” sobre Centeno
No rescaldo das demissões e desfiliações no PAN, o porta-voz do partido assume que foi “um episódio menos bom”, mas que o capítulo “está encerrado”. Nesta entrevista PÚBLICO/Renascença, que pode ouvir na rádio a partir das 13h desta quarta-feira, André Silva diz que ainda há “preconceito” relativamente ao PAN para legislar sobre matérias como os conflitos de interesses.
Engenheiro civil, com 44 anos, o deputado André Silva revela que foi aceite pelo Governo a sua proposta de reforço de técnicos de saúde pública.
É inevitável começar pela situação interna do PAN. Numa só semana perderam um eurodeputado, uma deputada e demitiu-se a comissão política na Madeira? A que é que atribui estas saídas?
Em política deve haver sempre um equilíbrio entre as expectativas e ambições pessoais e essa própria gestão do colectivo. Estas pessoas é que não conseguiram gerir as suas expectativas e interesses pessoais, colocaram esses interesses muito à frente do colectivo, do interesse do partido e entenderam não dialogar.
Mas eles criticam, precisamente, o não haver espaço para esse debate. Parece que estão a fazer acusações semelhantes uns aos outros.
O que é estranho é que as acusações vêm de pessoas que pertenceram à direcção do PAN até há pouco tempo. Houve uma mudança de postura e de atitude destas pessoas a partir do momento em que foram eleitas. As críticas que são feitas não têm sentido, se tivessem sido colocadas, teriam sido debatidas. Não existem justificações plausíveis, fortes, a única que existe são os seus interesses pessoais que não foram capazes de gerir. Decidiram sair, defraudando um projecto e a aposta dos eleitores. Este é um episódio menos bom do partido, como nós todos temos na nossa vida pessoal, profissional e também na vida partidária. Para nós, este é um capítulo que está encerrado.
Foram más escolhas, arrepende-se? A deputada Cristina Rodrigues foi sua chefe de gabinete, por exemplo.
Foram pessoas escolhidas pelo partido. À partida estas escolhas não fariam antever esta situação, mas a verdade é que, depois de eleitas, estas pessoas começaram a fazer um caminho de individualização do mandato, e de enorme falta de solidariedade e lealdade institucional.
Uma das acusações que se ouviram foi a de que havia falsos recibos verdes no PAN. É verdade?
Não há nem nunca houve falsos recibos verdes no PAN. Existiram prestações de serviços devidamente enquadradas e partilhas de recursos entre as várias fontes de financiamento do partido absolutamente legais. Como não há justificação de índole política, estas pessoas têm de dizer qualquer coisa e, portanto, fazem uma acusação que é falsa e que é grave.
Que lições é que tira desta situação?
A reflexão interna está a fazer-se, vamos tirar ilações. A nossa base de selecção tem de ter da nossa parte uma maior acuidade para que seja mais garantístico de que sejam pessoas que perseguem o interesse público, as causas e o projecto do partido.
Em que ponto está a proposta do PAN sobre a nomeação do governador do Banco de Portugal?
Está suspensa até que nos chegue o parecer do BCE. Esperemos que o desfecho desse debate seja antes da nomeação do próximo governador do Banco de Portugal. Se ocorrer depois, espero que os partidos deixem cair o argumento de que é uma lei feita à pressa, feita com fotografia.
Não se sente um bocadinho defraudado pelos outros partidos? No dia em que foi conhecida a saída de Centeno do Governo, o Parlamento aprovou com maioria expressiva, na generalidade, a vossa proposta que implicava o período de nojo de cinco anos. Entretanto os partidos, sobretudo o PSD, têm vindo a recuar.
O PSD tem feito algumas alterações de posição nesta legislatura, numa semana diz umas coisas, noutra diz outras. Sobre as regras de nomeação do governador já teve várias posições nos últimos seis meses. Mas, de facto, é absolutamente incoerente e não ficam bem na fotografia estarem todos de acordo no princípio da lei que o PAN está a propor, mas dizendo que não é para agora. Estão todos a fazer um frete, por motivos vários, ao PS. Quer os partidos da esquerda quer o PSD. Os motivos pelos quais estão a fazer um frete não sei. Não sei se é por ser uma lei do PAN, que é bem feita. Aliás, o parecer do Banco de Portugal vem dizer isso, ao contrário do que diz o PS, não há qualquer inconstitucionalidade nem qualquer tipo de problema em legislar sobre isto. Pode haver algum preconceito pelo facto de esta matéria vir do PAN, e não de outros partidos. Continua a haver por parte da elite política, não só partidária mas também do mundo do comentarismo, aqui algum preconceito sobre de onde vêm as iniciativas legislativas.
O PAN admite reformular a proposta?
Como é evidente. O que é fundamental é fazerem-se avanços. Estamos dispostos a adoptar um período de três anos, dois anos até de um ano. Não está em causa a ética de qualquer pessoa, mas do salto directo da cadeira de ministro das Finanças para a do governador do Banco de Portugal.
Que incompatibilidades vê na escolha de Centeno?
Quando alguém nos últimos dois anos nomeia os três membros do conselho de auditoria do Banco de Portugal, que servem precisamente para fiscalizar e escrutinar a actividade do governador, está patente um conflito de interesses. Por outro lado, estamos a falar de alguém que nos últimos anos tomou decisões - acertadas ou não - sobre matérias muito delicadas, como resolução de vários bancos e que vai ter de fazer a avaliação sobre esses mesmos dossiers em que esteve envolvido. Outros interesses instalados ocorrem por via de o governador do Banco de Portugal estar, e continua a estar, muito instrumentalizado por partidos como o PS e o PSD e deveria haver um parecer vinculativo do Parlamento. Temos que regular também os conflitos de interesses de pessoas que venham da banca comercial e do sector de auditoria para o Banco de Portugal.
O PAN apresentou 20 propostas no Orçamento Suplementar. O que é que foi aceite?
Ainda continuamos em negociações com o Governo. O que foi aceite é pouco. Temos indicação de que será aprovada a proposta que visa reforçar os técnicos de saúde pública no que diz respeito a esta fase de controlo e vigilância pandémica. Mais do que desconfinar ou levantar restrições a actividade económica, o fulcral era garantir no terreno pessoas que pudessem testar, controlar, monitorizar futuros surtos. E isso não ocorreu em Lisboa e Vale do Tejo, independentemente de as causas serem a nível dos transportes, habitações...
Houve descoordenação na situação de Lisboa?
Talvez. Que houve falta de coordenação, houve. Que houve falta de chefia e de estratégia, nesse sentido houve.
Chefia sanitária ou política?
Não lhe consigo responder a essa questão. Nós alertámos o Governo e o PS para esta questão. Fomos muito críticos da forma como o estado de emergência foi levantado, causou uma falsa sensação de segurança. A permissão da realização de algumas manifestações quer no passado quer no futuro - o 1.º de Maio e a Festa do Avante! - cria nas pessoas uma falsa sensação de segurança, dando azo a que as pessoas possam ter esse tipo de comportamentos, de ajuntamento, que não são nada recomendáveis, são maus exemplos de informação que se dá.
Qual será o sentido de voto do PAN na votação final global?
Vamos ver ainda, mas não conseguimos antever um voto favorável num Orçamento que tem várias lacunas.
Podem manter a abstenção?
Claro. Nós consagrámos no Orçamento de 2020 o alargamento da tarifa social de energia a todos os desempregados que ainda não está regulamentado.
Se vier a existir um acordo de médio prazo entre o Governo e os partidos à esquerda do PS, o PAN quer ficar incluído ou preferia ficar de fora?
Não podemos colocar as coisas dessa forma. O PAN sempre teve a posição de diálogo com as forças partidárias no Parlamento, mantendo sempre a sua independência. O PAN fará acordos, sejam eles com a esquerda parlamentar sejam com a direita, em função daquilo que possa ser a agenda. Vamos ver também como é que decorrem as conversas ou a negociação do plano de retoma económico. Para nós é uma linha vermelha que se apoiem empresas ou sectores que sejam altamente poluentes.
Desse ponto de vista não admite um apoio à TAP.
Sim, com condições. Uma das propostas que temos no Orçamento Suplementar é que qualquer apoio à TAP tem de ter sempre contrapartidas ambientais. Dir-me-ão que é inevitável que uma companhia aérea polua. Evidentemente, mas tem de haver aqui um compromisso de redução de emissão de gases estufa. Não faz sentido que o PS e o Governo estejam resistentes em aprovar o fim dos voos nocturnos entre a meia-noite e as seis da manhã.
Apoio a Ana Gomes? “Todas as opções estão em cima da mesa”
Desde que foi eleito teve um discurso de que o PAN não era nem de esquerda nem de direita, mas acabou por viabilizar três orçamentos e ajudou a viabilizar o de 2020. E a sua direcção é acusada por algumas das pessoas que saíram de se encostar à esquerda. Afinal, qual é a posição do PAN no espectro político?
Essas pessoas pertenceram à direcção até há alguns dias e fizeram este caminho. Acima de tudo o PAN quer fazer aprovar os seus projectos, causas e mundivisão e isso faz-se estabelecendo diálogos e compromissos com os partidos no Parlamento. Desde há cinco anos quem governa é o PS: é natural que o PAN tenha mais conversações e acordos com o partido que está no Governo do que com os que estão na oposição.
Mas nesta legislatura o discurso tornou-se mais agressivo. Aceita esta crítica?
Penso que não. A partir do momento em que o PAN, por via de alargar a sua participação parlamentar, começa a entrar noutros domínios, é natural que sofra também outros ataques e críticas por parte de outros partidos e que vá respondendo - e o tom sobe um pouco. Os eleitores apostaram em que, para além das causas que nos tornaram conhecidos, comecemos a trabalhar em matérias que visam o combate à corrupção e conflitos de interesse.
O PAN deixou de ser o partido dos animais e passou a ser do ambiente e anticorrupção?
Não deixámos de ser nada, conseguimos foi alargar o leque. No que diz respeito à causa animal, o PAN fez uma conquista absolutamente inédita que foi alterar o IVA dos espectáculos tauromáquicos de 6% para 23%, conseguimos regulamentar a lei de utilização de animais no circo e uma estratégia de bem-estar animal. É fundamental também que consigamos chegar a mais áreas. Matérias que dizem respeito a conflitos de interesse e corrupção estão intimamente ligadas à maioria dos crimes ambientais.
O PAN tem sido intransigente no combate aos maus-tratos dos animais e é defensor da despenalização da eutanásia. Como é que compatibiliza estas duas causas?
Não tem nada a ver...Uma coisa é a protecção daqueles que são completamente indefesos, num regime jurídico praticamente inexistente. Não é admissível numa sociedade do século XXI que continuemos a maltratar animais. Relativamente à morte medicamente assistida é um direito fundamental que está por garantir às pessoas em fim de vida ou em processo de fim de vida. É uma liberdade que lhes está coarctada.
Tendo o PAN alguma preocupação sobre a saúde mental, não receia os efeitos que uma lei da eutanásia nos que são mais frágeis, em quem pensa que está a sobrecarregar a família?
Sim, temos essa preocupação e isso pode ocorrer. É por isso que o PAN demorou mais de um ano a fazer a sua iniciativa legislativa. Estamos confortáveis com a iniciativa legislativa que apresentámos e com as outras em cima da mesa, por garantirem que os pedidos são feitos de forma absolutamente consciente, reiterada e que essas situações não podem acontecer.
Considera que o bem que a lei traz é superior ao que os perigos que pode trazer?
Sim, tendo a consciência de que os perigos são quase garantísticamente eliminados. Alguém que está em depressão não pode solicitar.
Nas presidenciais, o PAN terá candidato próprio?
Ainda estamos em debate interno. Esse assunto não está fechado.
Admite ser candidato?
Não, não está em cima da mesa.
Pode estar em cima da mesa um apoio a uma candidatura de Ana Gomes?
Posso dizer que estão em cima da mesa todas as opções.
Tendo em conta que é uma voz anticorrupção...
Um apoio a uma candidatura a terceiros, a alguém que não venha do campo político do PAN, tem de ser definida por um critério. O combate e a luta que Ana Gomes faz é meritório, mas há outras características, que se viéssemos a apoiar um outro candidato, devem ser avaliadas. Neste momento está em cima da mesa apresentarmos ou não um candidato próprio, apresentarmos alguém que já se tenha apresentado ou não apoiarmos ninguém. O debate está aberto.
Nas autárquicas, o PAN está disponível para fazer coligações em Lisboa e no Porto? E em que condições?
É precoce estarmos a falar nesse contexto.