Dores de Crescimento

Marta Dias é responsável pela versão, pela dramaturgia e pela encenação de Doença da Juventude, a peça que Ferdinand Bruckner (1891-1958) escreveu em 1926.

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filipe figueiredo

O vídeo que serve de prólogo ao espectáculo deixa pouco lugar para a imaginação. A partir dessas imagens de selvática violência entre animais na natureza, mostrando como a regra base da evolução é a lei do mais forte, o que está para vir, está-se mesmo a ver, é a aplicação da regra à realidade humana.

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O vídeo que serve de prólogo ao espectáculo deixa pouco lugar para a imaginação. A partir dessas imagens de selvática violência entre animais na natureza, mostrando como a regra base da evolução é a lei do mais forte, o que está para vir, está-se mesmo a ver, é a aplicação da regra à realidade humana.

A este princípio base, Marta Dias, responsável pela versão, pela dramaturgia e pela encenação de Doença da Juventude, a peça que Ferdinand Bruckner (1891-1958) escreveu em 1926, quando estava à beira de se tornar um dos mais importantes dramaturgos da República de Weimar, juntou a angústia existencial do original na sua transição para este tempo, usando como modelo a geração que anda por aí, a bem dizer, aos papéis. É uma época muito diferente e as comparações, embora tentadoras, podem ser uma armadilha. No entanto, como agora, mesmo que por razões também elas distintas, havia então uma crise de crenças e valores generalizada, a democracia mal dava resposta às necessidades quanto mais às aspirações do povo, e menos de uma década depois da estreia da obra o nazismo era uma realidade. Ainda não chegámos lá. Com sorte não chegamos; com azar estamos só ainda um bocado longe. Mas algo parecido anda por aí. Com um bónus: a possibilidade de acabarmos de vez com o planeta enquanto se discute o desenvolvimento económico.

Isto, que é larvar no original, não está ausente, contudo é apresentado de maneira basto subtil na versão de Marta Dias, que se concentra na construção de uma aparência de normalidade contemporânea, tomando como seu grupo de estudo um bando de jovens adultos, todos com suas fraquezas, manias, segredos, enfim, o costume. Tudo começa com uma festa. Maria acabou Medicina, quer celebrar mas está metida em si depois de levar com os pés do amado quando lhe ocorre como, a partir de agora, começa a vida real. É a modos que um choque, ampliado pelos convidados que recebe, onde convivem uma miúda rica obcecada por sexo e pela morte, mais um ex que se entretém a beber até ao oblívio enquanto se atira a uma ninfa despertando sexualmente; outra cidadã que não deixa ninguém interpor-se no seu caminho e uma rapariga que risca pouco para a acção; e o mais ambíguo, um antigo médico caído em desgraça depois de pôr fim ao sofrimento de uma criança, que parece encontrar prazer em assistir à autodestruição do grupo entretido na sua jornada entre a vitimização e a sobrevivência.

Chegado aqui, resta dizer que uma coisa é o desejo e outra, bem diferente, é a sua concretização, quando não a sua possibilidade. E dizer também que a encenadora esbarrou no muro que interpôs entre a intenção e a realização, estilhaçando as suas boas intenções através de uma montagem algo errática, que deixa o espectáculo numa espécie de deriva circular, levando Carolina Carvalho, Eduardo Breda, Filipa Areosa, Helena Caldeira, Madalena Almeida, Samuel Alves e Vítor d’Andrade a representarem como quem não sabe bem para onde ir, para além do cumprimento das instruções.