A degradação do SNS penaliza, sobretudo, os mais pobres
O encerramento nocturno das urgências pediátricas no Hospital Garcia de Orta pode ser apenas o início de vários encerramentos de serviços especializados no distrito de Setúbal.
Esta é uma evidência indesmentível. A falta de investimento, a gestão avulsa, o planeamento estratégico inexistente, levou à degradação do SNS e isso penaliza, sobretudo, os mais pobres. Ora, se o distrito de Setúbal é a 4.ª região mais pobre do país, facilmente se verificará que também nesta área fundamental, como é a Saúde, somos dos mais prejudicados.
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Esta é uma evidência indesmentível. A falta de investimento, a gestão avulsa, o planeamento estratégico inexistente, levou à degradação do SNS e isso penaliza, sobretudo, os mais pobres. Ora, se o distrito de Setúbal é a 4.ª região mais pobre do país, facilmente se verificará que também nesta área fundamental, como é a Saúde, somos dos mais prejudicados.
Notícias recentes dão conta que a classe média e a classe baixa detêm 72% (cerca de 1,8 milhões) das apólices de seguros de saúde, ainda que 60% estejam isentos de taxas moderadoras no SNS. Segundo a Marktest e o Jornal de Notícias, Lisboa, Faro, Setúbal e Santarém são as zonas do país com maior percentagem de população coberta com seguros de saúde, concomitantemente, são as áreas onde existe menor cobertura de enfermeiro e médico de família e onde existem tempos de espera mais elevados para consultas e cirurgias, tal como tenho vindo a denunciar neste jornal desde o início de 2018.
Com estes dados, podemos facilmente inferir que os mais pobres tendem a procurar os seguros de saúde para se precaverem de situações de doença mais graves e complexas, com necessidade de cirurgias, que não pagariam no SNS, mas têm elevados tempos de espera, o que não lhes permite ter a certeza da resolução dos seus problemas em tempo útil.
Por outro lado, o desinvestimento no sector público tem favorecido, e de que maneira, o crescimento do sector privado, sendo uma enorme falácia referir que existe falta de profissionais de saúde especializados seja em que área for em Portugal. A realidade é outra. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2018, existiam já mais hospitais privados (114) do que públicos (111), sendo que a tendência de crescimento mantém-se para os próximos anos e como é natural estes hospitais contratam especialistas (enfermeiros, médicos, TSDT) ao sector público para providenciarem os melhores serviços aos seus clientes. Naturalmente, se estão no privado não podem estar, em simultâneo, no público, pois o dom da ubiquidade não é uma característica pertencente ao reino dos seres humanos, mesmo sendo profissionais de saúde altamente qualificados.
Aqui chegados, os leitores facilmente concluem que o encerramento nocturno das urgências pediátricas no Hospital Garcia de Orta pode ser apenas o início de vários encerramentos de serviços especializados no distrito de Setúbal, não sendo caso de admiração que existam num futuro mais ou menos próximo situações semelhantes na área da Obstetrícia ou nas especialidades da área cirúrgica (Oftalmologia, Urologia, Ortopedia, só para citar algumas). E será que isto pode piorar ainda mais a Saúde dos mais pobres no distrito de Setúbal? Se o governo socialista continuar na senda da cegueira ideológica de diabolização do sector privado e social, obviamente que sim. Se atalhar caminho, rasgar as vestes caducas e limitadoras do seu pensamento económico, contratualizando com o sector social (IPSS e Misericórdias) ou sector privado, facilmente se pode garantir a todos, mesmo aos que menos podem, cuidados de saúde de qualidade em todo o ciclo vital.
Duvidam? Relembro que em Almada, num hospital privado, a menos de 2 km do Hospital Garcia de Orta, existe uma equipa de pediatras disponível 24h por dia. E nós, cidadãos da classe média e baixa residentes nos concelhos de Almada, Seixal e Sesimbra, em pleno século XXI, depois de um longo e estafado dia de trabalho, temos de nos deslocar à noite com as nossas crianças doentes para o Hospital Dona Estefânia, em Lisboa.