No mês do Natal, há uma Estrela Mãe a iluminar o futuro disco de Helder Moutinho
O novo tema do disco que Helder Moutinho há-de lançar em 2020 chama-se Estrela Mãe. É o quinto, que agora se revela, e tem letra de João Monge num fado tradicional.
Foi em Abril que o fadista Helder Moutinho iniciou o processo de criação do seu novo disco, divulgando espaçadamente cada um dos temas em single, vídeo e com uma banda desenhada inédita a acompanhar. O primeiro foi Nunca parto inteiramente, seguindo-se Atrás dos meus cortinados (Maio), Fado da herança (Julho) e Matas-me (Outubro).
O quinto tema, agora divulgado, tem um título que só aparentemente se relaciona com a época natalícia: Estrela Mãe. Escrito por João Monge, autor de todas as letras para este disco, a música desta vez é a de um fado tradicional, a Balada António dos Santos.
Nesta quinta gravação, com Helder Moutinho (voz) estiveram Ricardo Parreira (guitarra portuguesa), André Ramos (viola de fado) e Ciro Bertini (baixo acústico). A captação foi feita, tal como sucedera com o tema anterior, na casa de fados Maria da Mouraria, em Lisboa, com som, mistura e masterização de António Pinheiro da Silva. A produção rádio é de Ana Sofia Carvalheda (Antena 1), com captação de som por Eric Harizanos (Antena 1). A realização do videoclipe, ainda por divulgar, é de novo de Filipe Pereira.
O disco a editar em 2020 virá juntar-se aos cinco que Helder Moutinho já gravou em nome próprio: Sete Fados e Alguns Cantos (1999); Luz de Lisboa (2004); Que fado é este que trago? (2008); 1987 (2013); e O Manual do Coração (2016). Seguiu-se-lhes o espectáculo Escrito no Destino, estreado no Teatro São Luiz e na Casa da Música, a partir do qual Helder decidiu iniciar este processo de gravação gradual do novo disco.
Como nos temas anteriores, Estrela Mãe é acompanhado por uma prancha da BD criada por Tomás Rosa especificamente para este projecto, prancha essa que aqui se mostra pela primeira vez. A gravação do disco é uma co-produção da MWF – Music Without Frontiers com o Museu do Fado e tem o apoio da Sociedade Portuguesa de Autores.
À semelhança do que fez até aqui, também para este tema escreveu Helder Moutinho um texto original (serão todos incluídos no livro do disco). Aqui fica ele, na íntegra:
“Caí, rasguei a pele do joelho e a palma da mão direita...
Já nem me lembro que idade é que tinha, aí uns três ou quatro anos. Desatei num pranto enorme como se tivesse acabado de sofrer um grande acidente, como se fosse mesmo uma coisa muito grave. Na realidade havia muito sangue misturado com a areia da terra batida e com algumas ervas à mistura. Tipo um abstracto de Jackson Pollock.
Pronto filho, não foi nada, já passou, vai ficar tudo bem, a mãe está aqui, não chores, anda cá, não chores, vá lá: vamos já tratar disso tudo e tu vais ficar bom, pronto.
Querem ver que também há Reiki de palavras? O que é certo é que assim que me vi nos braços da minha Mãe e a ouvi dizer aquelas palavras, a dor e os traumas começaram a desaparecer. Agora só faltava a parte da limpeza e tratamento da ferida. Depois, enfim, tudo se transformou numa grande aventura que ficava para contar ao meu Pai e aos meus avós no fim do dia.
Caí, fracturei a cabeça em 18 centímetros, tive um traumatismo craniano e fiquei em coma durante uma semana…
Tinha nove anos. Desta vez não desatei num pranto porque desmaiei logo com a queda. Só me lembro de estar em cima de um telhado com o meu irmão, a ver um ninho de pássaros, e um homem qualquer começou aos gritos, eu assustei-me e comecei a fugir. Acabei por cair do telhado e bati com a cabeça no chão. Assim que acordei do coma chamei por ela e ela estava lá.
Filho, eu estou aqui. Como estás? Sentes-te bem? É a Mãe, sou a tua Mãe, tu vais ficar bom, não te preocupes. Está tudo bem, não chores...
Mas porque é que ela me está a dizer tantas vezes que é a minha Mãe? Eu sei que ela é a minha Mãe; sempre foi desde o dia em que nasci! Isto, no mínimo, é estranho. Mas o que terá acontecido?
Estive umas três semanas em recuperação e ainda hoje me lembro de descer a rua da entrada da frente do hospital que ia dar a uma praça cheia de movimento, trânsito e comércio, mesmo no centro da cidade. Apanhámos um táxi e fomos para casa.
Durante a viagem contou-me o que se tinha passado. Hoje tenho disto uma visão estranha, como se me lembrasse de tudo o que na realidade foi o que me contaram.
Caí, perdi um dos meus melhores amigos…
Aquele que me ensinou que se os outros conseguem eu também tenho de conseguir. Aquele que sempre me provou que os homens não se medem aos palmos e que só choram quando querem e quando precisam... Era o meu Avô materno, o único que conheci.
Custa muito filho eu sei. Nem sabes o quanto me custa a mim também. Mas isto vai passar. Não fiques triste, foi melhor assim.
Caí e voltei a cair vezes sem conta, e em todas elas lá estava aquela figura sempre enorme, na alma, no espírito e na coragem. A derrubar todas as fronteiras, a lutar sempre até ao fim. Umas vezes perdeu, outras vezes ganhou. Nunca desistiu, não lho é permitido, provavelmente por Deus e pela vida. Será um castigo? Uma promessa? Ou uma dádiva que Deus lhe deu? Além de mim poucos a viram em acção, mas hoje somos o que somos e sabemos que só não nos levantamos se não quisermos viver... porque os problemas só foram inventados para serem resolvidos e por isso, no fim, tudo vai ficar bem. E tudo porque, ao cairmos, era uma vez Luísa...”
Estrela Mãe
(letra de João Monge e música de António dos Santos – Balada António dos Santos)
Queria ser boa pessoa
Aquela que não magoa
Quando a vida não sorri
Pensei como tu te davas
Toda luz que irradiavas
E quis ser igual a ti
Não tenho o dom do perdão
E às vezes sei dizer não
Quando a vida quer morder
Mas aprendi ao teu lado
Que por trás de um triste fado
Há uma força de viver
Já roguei pragas à Lua
Quando a morte se insinua
Quando já tudo perdi
Tu sorris como em criança
Trazes no olhar a esperança
E quis ser igual a ti
Donde vem essa vontade
Esse manto de bondade
Que não encontro em ninguém
Todas as noites procuro
Uma estrela no céu escuro
A luz de uma estrela mãe