Secretário da Marinha acusa Trump de não saber o que é “combater com ética”
Richard Spencer foi forçado a sair do cargo na sequência do perdão do Presidente norte-americano a militares acusados de crimes de guerra. Num artigo de opinião, pede aos aliados dos EUA que tenham “paciência” com o país.
A tensão entre a Casa Branca e o Pentágono por causa dos perdões concedidos pelo Presidente Donald Trump a três soldados acusados de crimes de guerra, no dia 15 de Novembro, atingiu um ponto alto esta semana com a demissão do secretário da Marinha, Richard Spencer. Num artigo de opinião publicado esta quinta-feira no jornal The Washington Post, o antigo responsável lança duras críticas a Trump, acusando-o de não saber o que significa estar nas Forças Armadas, nem o que é “combater com ética”.
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A tensão entre a Casa Branca e o Pentágono por causa dos perdões concedidos pelo Presidente Donald Trump a três soldados acusados de crimes de guerra, no dia 15 de Novembro, atingiu um ponto alto esta semana com a demissão do secretário da Marinha, Richard Spencer. Num artigo de opinião publicado esta quinta-feira no jornal The Washington Post, o antigo responsável lança duras críticas a Trump, acusando-o de não saber o que significa estar nas Forças Armadas, nem o que é “combater com ética”.
Richard Spencer, um antigo capitão dos Marines, de 65 anos, apresentou a demissão no domingo, sob pressão do secretário da Defesa interino, Mark Esper.
À revelia de Esper, Spencer tentou negociar com a Casa Branca um desfecho para o caso de Edward Gallagher, um segundo-sargento da força de elite da Marinha norte-americana – os Navy Seals – acusado de crimes de guerra durante a batalha de Mossul, no Iraque, em 2017.
No julgamento, em Julho, Gallagher não foi considerado culpado das acusações mais graves. Mas a intervenção do Presidente Trump em defesa do sargento, ao longo de todo o processo, foi mal recebida pela hierarquia militar norte-americana.
Spencer pede “paciência” aos aliados
“Foi uma intervenção chocante e sem precedentes”, afirma o antigo secretário da Marinha, esta quinta-feira, no Washington Post. “E foi também uma forma de nos recordarmos que o Presidente [Trump] tem muito pouca compreensão sobre o que significa estar no serviço militar, combater com ética ou ser guiado por um conjunto uniforme de regras e práticas.”
São acusações duras que remetem para o passado de Donald Trump e para a sua postura como líder, tanto nos negócios pessoais como na Casa Branca. Em Dezembro de 2018, o jornal New York Times noticiou que Trump escapou à guerra do Vietname, em 1968, com base num diagnóstico falso feito por um médico a pedido do seu senhorio da altura, Fred Trump – pai de Donald Trump.
No texto publicado esta quinta-feira, Richard Spencer admite que tentou resolver a situação à revelia do secretário da Defesa – seu superior hierárquico –, e diz que o caso deve servir de lição para ele e “para a nação”.
“Os nossos aliados têm de saber que continuamos a ser uma força do bem, e por favor tenham paciência connosco enquanto passamos por esta época”, diz o antigo secretário da Marinha norte-americana.
Acusado de disparar contra civis
Foi o culminar de um caso que começou em Março, com a intervenção do Presidente Trump em defesa de Edward Gallagher, de 40 anos.
Gallagher foi detido em Setembro de 2018 numa base dos Marines, na Califórnia, e foi acusado de homicídio premeditado, tentativa de homicídio e obstrução da Justiça. Os casos aconteceram durante a batalha de Mossul, no Iraque, em 2017.
Segundo a acusação, feita com base em testemunhos de outros elementos dos Seals, Gallagher matou, com uma facada na zona do pescoço e de forma premeditada, um combatente do Daesh de 12 anos que estava ferido e a ser assistido no chão por um paramédico norte-americano.
Depois, posou para uma fotografia ao lado do cadáver e enviou-a por telemóvel, com a frase “Esta foto tem uma boa história por trás dela, apanhei-o com a minha faca de caça”.
O segundo-sargento dos Seals foi também acusado de tentativa de homicídio por disparar contra um homem e uma mulher civis que não eram combatentes, e de tratamento humilhante de um inimigo por posar para a fotografia com o cadáver do combatente do Daesh.
No julgamento, em Julho, Edward Gallagher não foi considerado culpado das acusações mais graves, mas foi condenado a quatro meses de prisão por causa da fotografia e foi despromovido a primeiro-sargento. Como já tinha passado mais do que quatro meses em detenção antes do julgamento, acabou por ser libertado.
Trump felicitou o militar
A tensão entre a Casa Branca e a hierarquia militar norte-americana começou em Março, quando o Presidente Trump escreveu no Twitter que Gallagher iria ser transferido para um centro de detenção “menos restritivo” enquanto aguardava pelo julgamento, “em honra ao seu serviço ao país”.
Ainda que o Presidente dos EUA tenha autoridade para interferir nas decisões da justiça militar, a ordem caiu mal no Pentágono.
Por essa altura, o comandante dos Seals, o almirante Collin Green, estava empenhado na revisão do código de conduta da força de elite, por considerar que era preciso pôr fim a uma série de casos semelhantes ao do segundo-sargento Gallagher. E uma interferência do Presidente Trump na cadeia de comando podia tirar autoridade às chefias militares para cumprirem esse e outros objectivos.
O Presidente norte-americano voltou a intervir no caso em Julho, quando deu os parabéns a Gallagher no final do julgamento, e outra vez em Novembro, com duas ordens. Primeiro, determinou que Gallagher não poderia ser alvo de um processo disciplinar de rotina, após o julgamento, que poderia expulsá-lo dos Seals e tirar-lhe a insígnia da força de elite; e depois ordenou que Gallagher recuperasse o posto de segundo-sargento, no mesmo dia em que perdoou dois outros militares norte-americanos acusados de crimes de guerra.
Foi já depois disso, na semana passada, que o então secretário da Marinha tentou obter um compromisso da Casa Branca para que o caso fosse encerrado sem que a hierarquia militar fosse posta em causa pela intervenção do Presidente – Gallagher seria alvo de um inquérito, mas não seria expulso dos Seals.
Richard Spencer foi forçado a demitir-se e Edward Gallagher reformou-se das Forças Armadas de forma voluntária, com efeitos a partir deste domingo, 1 de Dezembro. Mantém o posto de segundo-sargento dos Navy Seals e a insígnia, e terá direito à pensão de reforma sem quaisquer penalizações, anunciou o Presidente Trump no domingo passado.