A democracia assediada
A democracia está em retrocesso. E não é matéria de opinião. É um dado objectivo.
A democracia está, hoje, assediada por todo lado. Da Rússia de Putin à Turquia de Erdogan, das Filipinas de Duterte à Venezuela de Maduro, passando pela América de Trump. E, por muito que nos custe, também na Europa. Democracias promissoras como a Hungria ou a Polónia estão em regressão a caminho do autoritarismo. E até democracias maduras no ocidente, como a França ou a Itália, estão sob ataque ou são já governadas por populistas.
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A democracia está, hoje, assediada por todo lado. Da Rússia de Putin à Turquia de Erdogan, das Filipinas de Duterte à Venezuela de Maduro, passando pela América de Trump. E, por muito que nos custe, também na Europa. Democracias promissoras como a Hungria ou a Polónia estão em regressão a caminho do autoritarismo. E até democracias maduras no ocidente, como a França ou a Itália, estão sob ataque ou são já governadas por populistas.
A democracia está em retrocesso. E não é matéria de opinião. É um dado objectivo. Essa é a conclusão do relatório Freedom in the World 2019, publicado a semana passada pela Freedoom House, uma organização independente sem fins lucrativos que publica anualmente um relatório sobre o estado da democracia no mundo. Em 2018, 68 países desceram nos índices de liberdade enquanto apenas 50 subiram. E este é o 13.º ano consecutivo de retrocesso global da democracia em que a média dos níveis de direitos cívicos e liberdades políticas declina em todo o mundo.
Há vinte anos, a democracia estava triunfante. Nas sociedades ocidentais a economia estava a crescer e os cidadãos empenhados na democracia liberal. O sistema político era dominado por partidos moderados e os radicais eram irrelevantes. Eleições livres e justas, liberdades cívicas e Estado de Direito eram valores inquestionáveis. E, mais do que isso, a democracia era o único sistema tido por legítimo. Fukuyama decretou, então, o “fim da história”. Enganou-se. As coisas começaram a correr mal com o desastre no Iraque e o insucesso da Primavera Árabe. Mas o alarme soou quando o problema se declarou dentro de portas: o “Brexit” na Europa e a eleição de Trump nos Estados Unidos mudaram tudo. E o processo continuou com a vaga populista de vento em popa.
Hoje, são cada vez maiores as desigualdades económicas e os medos identitários dos imigrantes e refugiados. Os cidadãos estão cada vez mais desiludidos com a política. Os partidos tradicionais estão em queda e os populistas em ascensão. Os nacionalistas, à esquerda e à direita, apoiam cada vez mais soluções autocráticas e iliberais. É o assédio à democracia.
E este assédio mostra-nos, pelo menos, duas coisas. Primeiro, que a democratização não é um processo de sentido único. Pelo contrário, tem dois sentidos: as democracias podem avançar ou regredir, consolidar ou desconsolidar. Isto é, a democracia não é nunca um dado adquirido, mas antes uma conquista constante. Segundo, que a queda das democracias já não é o que era. Dantes, caíam súbita e violentamente, por golpe de estado. Hoje, caiem lenta e suavemente. Não caiem. Vão caindo, peça a peça: primeiro, restringe-se uma liberdade, depois reduz-se a autonomia de um tribunal, no dia seguinte compra-se um jornal incómodo que fecha, supostamente, por razões financeiras. Claro que não se trata de política, é só e apenas a lei e o mercado a funcionar. Em suma, as democracias já não morrem pelo método violento do derrube, mas sim pelo método incremental da erosão. Usando os mecanismos do regime democrático para subverter a própria democracia. A democracia liberal, bem entendido. E este é o ponto fundamental: na democracia liberal, é preciso distinguir a democracia do constitucionalismo liberal. Os populistas não são contra a democracia: aceitam as eleições, a soberania popular e a regra da maioria, que aliás lhes serve para se legitimarem. Mas são radicalmente contra o constitucionalismo liberal: odeiam o pluralismo e rejeitam os direitos cívicos, as garantias individuais, a separação de poderes e o Estado de Direito. Ou seja, a democracia tal como a entendemos. É isso que está ameaçado e é isso que é preciso defender.
Num ranking de 195 países, Portugal figura entre os países livres num confortável 13.º lugar, apenas ultrapassado por democracias antigas e consolidadas como os países nórdicos, a Bélgica e a Holanda, a Austrália e a Nova Zelândia, o Canadá e o Japão. Quer isto dizer que a democracia portuguesa é um dado adquirido? Que não temos sequer que nos preocupar com isso? Não. E não, primeiro, porque a democracia nunca está adquirida. Segundo, porque apesar do seu 13.º lugar no ranking, a qualidade da democracia portuguesa regrediu no ano passado. Terceiro e sobretudo, porque Portugal está na Europa e é isso que está em jogo nas próximas eleições europeias: ou a vitória da democracia liberal e a União Europeia, ou o populismo e a deriva nacionalista.