Não, passarão
Bannon não virá para a Europa explicar diretamente aos europeus que é bom votarem contra os seus interesses. A tática terá de ser outra. E será a do costume: usar o medo da imigração e do islamismo para dominar o eleitorado.
Uma das coisas que se poderia esperar de quem passa a vida a clamar pelo regresso do nacionalismo seria que se preocupasse com o que se passa dentro das fronteiras da sua nação e que deixe os países dos outros em paz, certo? Errado. Porque aquilo que não se pode esperar dos nacionalistas é consistência.
Tomemos o exemplo de Steve Bannon, o génio ideológico por detrás da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos da América. Bannon serviu de ferramenta para a entrada de dinheiro estrangeiro na política do seu país e de conduta para a pilhagem de dados pessoais de cidadãos britânicos na campanha do "Brexit". Sim, é a mesma campanha que se escandalizou quando o ainda Presidente Barack Obama disse que os EUA estariam mais interessados em fazer um acordo comercial com a União Europeia do que com o Reino Unido. Quando se tratou de aceitar dinheiro e influência de capitalistas americanos como a família Mercer e os irmãos Koch, para não falar da interferência comandada por Putin, já as objeções com a ingerência nos assuntos internos estrangeiros desapareceram rapidamente.
Da mesma forma, ao passo que aos líderes europeus jamais passaria pela cabeça sugerir que a Califórnia se fosse embora dos EUA ou que Nova Iorque desobedecesse a um Presidente no qual a maioria dos americanos não votaram, sabe-se hoje que Trump tentou persuadir Emmanuel Macron a sair da UE acenando-lhe em alternativa com um acordo vantajoso com os EUA.
Ou seja: o nacionalismo, na boca deste charlatães, não passa de um outro nome para a lei do mais forte. E quem, não sendo mais forte, decida ir nesta cantiga não é aos olhos deles outra coisa que não um otário.
Porque gente como Bannon pode não apresentar entre palavras e atos. Mas de uma coisa ninguém pode duvidar: ele é um oportunista esperto.
É assim que deve ser entendida a última jogada de Steve Bannon, noticiada pelos jornais deste fim-de-semana, de que ele se prepara para vir morar uma parte do ano em Bruxelas para aqui na Europa montar um movimento político de extrema-direita que concorra às eleições ao Parlamento Europeu do próximo ano. A nossa primeira reação poderia ser: mas que raio vem cá fazer esta ave de arribação? Atravessar fronteiras para criar um movimento transnacional às eleições de um parlamento pan-europeu não é assim um bocadinho cosmopolita a mais para um fascistóide como ele? Claro que é, mas Steve Bannon viu uma coisa que a maior parte dos políticos europeus ainda não reconheceu: as eleições europeias do próximo ano vão ser cruciais para definir o rumo da política não só europeia, mas até mundial, até ao início da próxima década. A presidência de Trump fez com que quatro grandes blocos tenham peso político hoje: EUA, Rússia, China e UE. Se for possível tomar a UE por dentro e inabilitá-la para enfrentar a competição na guerra comercial que se avizinha, como desejam Bannon e estarão dispostos a fazer os seus sequazes europeus de Le Pen e Salvini a Orbán e a Kaczinski, sai mais barata e eficaz a estratégia trumpista.
Bannon não virá para a Europa explicar diretamente aos europeus que é bom votarem contra os seus interesses. A tática terá de ser outra. E será a do costume: usar o medo da imigração e do islamismo para dominar o eleitorado.
O medo é uma pulsão monopolista. Quando se tem medo, não se consegue pensar em mais nada. Por isso o medo é tão prático para estrategos políticos como Bannon. Por muito que outros políticos lutem, é difícil vencer o medo com esperança, com imaginação ou com generosidade precisamente porque o medo tende a bloquear todos os outros impulsos e emoções.
Há uma coisa, porém, que pode derrotar o medo. Parece ridículo, mas funciona: trata-se do cansaço. Viver sempre com medo é esgotante, e há sinais de que o eleitorado europeu se está a cansar do discurso do medo constante. Se em 2011-2012 as preocupações prioritárias identificadas pelo Eurobarómetro eram com a crise e com o desemprego, como fazia sentido que fossem, em 2015-2016 a imigração e o terrorismo dispararam para o topo. Ainda lá estão, mas descendo acentuadamente nas sondagens. As preocupações que se estão a acentuar hoje em dia têm a ver com a instabilidade internacional e a posição da Europa no mundo. Se forem as dominantes em 2019, a jogada de Bannon pode até contribuir para a sua própria derrota ao tornar claro para todos o que está em jogo. Não será um americano que virá para cá reinstalar o fascismo — até porque para isso não nos faltam, desgraçadamente, recursos domésticos. Para um espertalhão como Bannon talvez não cheguemos a precisar de um “Não passarão!”. Com um pouco de sorte, bastará um “não, passarão”.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico