As doenças do SNS e seu tratamento
O SNS não tem um estatuto jurídico próprio que lhe permita não estar sujeito à permanente oscilação dos ciclos políticos.
Se, por um lado, assistimos a um grande unanimismo sobre a importância do Serviço Nacional de Saúde, por outro são preocupantes os diversos diagnósticos de doença do sistema de saúde. Que doenças são identificadas e quais as propostas de cura?
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Se, por um lado, assistimos a um grande unanimismo sobre a importância do Serviço Nacional de Saúde, por outro são preocupantes os diversos diagnósticos de doença do sistema de saúde. Que doenças são identificadas e quais as propostas de cura?
1. O quadro legislativo e o garrote que impõe ao SNS
A Lei de Bases da Saúde de 1990 introduziu uma alteração profunda colocando expressamente o sector privado em concorrência com o sector público quando na sua origem em 79 se colocava o sector privado e social em complementaridade onde o SNS não tivesse capacidade de resposta.
Nos quase 30 anos de vigência da lei, as políticas neoliberais conduziram a que o sector privado tenha hoje uma implementação em grandes unidades hospitalares à custa do definhamento dos serviços públicos, seja pelo subfinanciamento, seja pela captura de profissionais altamente qualificados sem os custos que lhe estão associados e à custa dos subsistemas de saúde, nomeadamente a ADSE.
2. A não existência de uma efetiva identidade do SNS
O SNS não tem um estatuto jurídico próprio que lhe permita não estar sujeito à permanente oscilação dos ciclos políticos, o que conduz à descontinuidade de orientações e políticas que deveriam estar plasmadas na Lei de Bases da Saúde mas que da atual se encontra ausente.
3. O subfinanciamento crónico do SNS
Não pode ser uma fatalidade, mas para tal são necessárias opções políticas que invertam a atual situação e que para além de ser necessário travar a diminuição do financiamento pelo OE, que atingiu cerca de um milhão de euros por ano entre 2010 e 2015 com o PSD e CDS a irem além da troika, esta situação provoca estrangulamentos nos recursos disponíveis – humanos e tecnológicos – cujas consequências para além do dia a dia nas respostas necessárias aos cidadãos, nos custos que estes e suas famílias suportam, e levam consigo reflexos que não são de imediato mas de médio e longo prazo na saúde global da população.
4. A ausência de planificação a médio e longo prazo no SNS e suas instituições tendo em conta as necessidades identificadas
Não existe uma planificação que permita identificar de forma objetiva as carências existentes a nível de pessoal e de tecnologias (equipamentos de vária ordem, muitos já obsoletos) que evite desperdícios e redundâncias, sendo muitas vezes decidido de acordo com os “lobbys” corporativos económicos e profissionais criando distorções na distribuição e na acessibilidade aos cuidados. Um efetivo observatório de saúde, seja a nível regional, seja a nível nacional, onde a Saúde Pública assume particular relevância está hoje praticamente desmantelado e de eficácia reduzida.
5. A predominância da “financiarização” sobre a autonomia e responsabilização da gestão
Tudo tem de passar pelas finanças mesmo quando se trata de cumprir os contratos celebrados por cada instituição com o Ministério da Saúde e das Finanças, o que promove uma cultura organizacional que impede, através da autonomia da sua gestão, a sua responsabilização no cumprimento dos compromissos e na agilidade das respostas necessárias.
6. A desvalorização dos profissionais e suas carreiras
A introdução de vínculos laborais diferentes, a estagnação na valorização do trabalho de todos os trabalhadores da saúde, a permanente desorganização dos horários de trabalho por carências efetivas são demonstrativas de ausência de uma politica de reconhecimento que o pilar essencial do SNS são os seus profissionais. Que estão exaustos, cansados e que se o privado lhe oferece melhores condições abandona o público, deixando este mais pobre e com menor capacidade de resposta.
7. A distribuição dos recursos sempre condicionada pela pressão do tratamento das doenças
Para além de serem sempre limitados e as necessidades ilimitadas, existe uma efetiva distorção na sua distribuição em função das necessidades identificadas. Os cuidados de proximidade, nomeadamente os CSP, CCI e os cuidados domiciliários, apesar de alguns avanços, é onde as lacunas de respostas mais se evidenciam, transportando para as urgências hospitalares as respostas com o consequente aumento de despesas e transtornos para os cidadãos.
8. As áreas de promoção e prevenção, incluindo a Saúde Mental, são os parentes pobres no SNS
Quando olhamos a distribuição do volume de financiamento do SNS e verificamos que apenas 0,3% são para cuidados domiciliários e 1,1% para cuidados preventivos, facilmente compreendemos como estas áreas têm pouca possibilidade de desenvolvimento das respostas adequadas que possam inverter a tendência “hospitalocêntrica” de um sistema cujo diagnóstico já está feito há muitos, muitos anos...
9. A ausência de intercomunicabilidade entre os vários níveis de cuidados
À situação anterior junta-se a questão da intercomunicabilidade e integração da prestação de cuidados. A organização por silos onde cada um pensa e gere de acordo com o seu umbigo cria entropias, despesismo e ausência de circuitos de facilitação para quem necessita de cuidados de saúde, ao invés de os circuitos estarem ao serviço das necessidades dos cidadãos.
10. As culturas profissionais determinam o funcionamento das organizações
A situação anterior não é alheia a culturas profissionais que procuram perpetuar a situação, havendo uma dominância da organização dos cuidados em função da organização médica desperdiçando competências de outros profissionais para respostas que deveriam, se centradas nos cidadãos, serem da responsabilidade de equipas multiprofissionais onde o profissional mais apto a dar resposta deve ser quem assume a intervenção, onde as repostas não têm todas de passar pela aprovação do médico mas por uma efetiva avaliação de resultados pelo que a equipa oferece para a melhoria da saúde dos cidadãos a que têm a responsabilidade de responder.
Em conclusão e o que fazer
1. Sobre o SNS, a sua defesa é a defesa da nossa saúde
Os serviços públicos são o garante do acesso de todos independentemente das condições económicas, religiosas, étnicas (universalidade) e a todos os cuidados de que necessitem na doença e/ou que integram a promoção, a prevenção, a reabilitação e a paliação.
2. O sector privado pode existir em complementaridade onde o SNS não tem resposta adequada
O sector privado não pode continuar a ser o que absorve parte do financiamento dos dinheiros públicos para a saúde, garantindo os seus lucros, definhando o sector público pela captação de recursos humanos altamente qualificados.
3. A planificação e a saúde em todas as políticas
Não podemos permitir continuar a navegar à vista e conduzir politicas que não sirvam a melhoria da saúde global dos cidadãos.
4. Investir e reconhecer o valor económico da saúde
É um imperativo e passa por investimentos tecnológicos urgentes e pelo efetivo reconhecimento dos profissionais com maior número, melhores salários e estes mais equitativos.
5. Um SNS que não seja formado por silos
Hoje há tecnologia de informação que permite repensar a organização dos cuidados que se oferecem. O caminho é que cada cidadão, de acordo com as suas necessidades, possa ter a resposta adequada e em tempo útil e não percorrer caminhos tortuosos no acesso aos mesmos.
6. Um SNS descentralizado e participado a todos os níveis
É necessário alterar a lógica da “financiarização” e da centralização por controlo de gastos, que só aumenta a despesa de curto e médio prazo. Por isso, a autonomia e consequente responsabilização da gestão deve ser garantida com a participação dos profissionais mas sobretudo com a participação dos cidadãos aos vários níveis de gestão do SNS.
7. Inversão na redistribuição dos recursos que contribua para diminuir as desigualdades
Criar as condições necessárias para um real investimento na promoção da saúde e prevenção da doença potenciando a utilização dos recursos comunitários existentes pela coordenação efetiva dos meios para as respostas às necessidades identificadas e minimizar as desigualdades existentes.
8. Culturas profissionais promotoras de respostas integradas
Os profissionais de saúde têm hoje formação e competências que não podem ser menosprezadas sem aliviar as suas responsabilidades nas escolhas do que é melhor para as respostas às necessidades dos cidadãos, capacitando-os e garantindo as respostas adequadas.
9. Capacitação dos cidadãos e participação efetiva
A participação efetiva dos cidadãos, sem a qual as mudanças serão seguramente mais difíceis e mais pobres. Mas a participação efetiva exige capacitação e dinâmicas organizacionais distintas das que conhecemos até hoje.
Tomemos medidas antes que seja tarde.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico