O sexo, a idade e os tribunais
O recente caso Carvalho Pinto de Sousa Morais v. Portugal, decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos é um bom exemplo da atuação desta instância supranacional.
O recente caso Carvalho Pinto de Sousa Morais v. Portugal, decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) na passada terça-feira, é um bom exemplo da atuação desta instância supranacional no que ela mostra de respeito pela soberania dos tribunais nacionais sem prejuízo de a decisão censurar um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA).
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O recente caso Carvalho Pinto de Sousa Morais v. Portugal, decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) na passada terça-feira, é um bom exemplo da atuação desta instância supranacional no que ela mostra de respeito pela soberania dos tribunais nacionais sem prejuízo de a decisão censurar um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Criado em 1959, ainda sob a memória recente dos horrores do nazismo, o TEDH correspondeu a um anseio das nações de criarem uma instância internacional que assegurasse o respeito pelos direitos humanos em cada país. O mecanismo é simples: todo e qualquer cidadão dos países que fazem parte da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) pode apresentar uma queixa por violação dos seus direitos consagrados na convenção. Tem que esgotar previamente os recursos internos e só depois poderá apresentar a queixa no TEDH.
Mas o TEDH não é um tribunal de recurso, não lhe cabe apreciar se os tribunais nacionais avaliaram bem a prova ou se decidiram correctamente face ao enquadramento legal que fizeram. O que o TEDH faz é tão somente avaliar se, com a decisão judicial interna objecto da queixa, foram ou não violados os direitos consagrados na CEDH.
A questão essencial deste caso prendia-se com o facto de ser ou não, discriminatório em função do sexo e da idade, o entendimento que constava na decisão do STA que baixou a indemnização que tinha sido concedida à queixosa em virtude dos danos causados à sua vida íntima e sexual por uma intervenção cirúrgica negligente. O STA baixara a indemnização de 80.000 euros para 50.000 euros, nomeadamente, por ter em conta os seus 50 anos de idade e o facto de ser mãe de dois filhos, estando numa idade em que o sexo não é tão importante como quando se é mais novo, diminuindo o significado do sexo com a idade.
O TEDH lembrou que não lhe cabia analisar em si os montantes concedidos à queixosa pelo STA. O TEDH lembrou, também, que, como regra geral, cabe aos tribunais nacionais apreciar os elementos de prova que lhes são apresentados, incluindo os meios utilizados para comprovar os factos considerados relevantes. As autoridades nacionais estão, em princípio, mais bem colocadas que um tribunal internacional para poderem avaliar o que é uma compensação adequada pelo prejuízo específico sofrido por um indivíduo. O que cabia ao TEDH era avaliar se o raciocínio do STA, levara ou não a uma injustificada diferença de tratamento da queixosa com base no seu sexo e idade, o que constitui uma violação do direito à não discriminação que garante que todos os direitos constantes da CEDH “devem ser assegurados sem quaisquer distinc¸o~es, tais como as fundadas no sexo, rac¸a, cor, li´ngua, religia~o, opinio~es poli´ticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertenc¸a a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situac¸a~o”.
O TEDH, numa extensa e bem elaborada decisão, para evidenciar o carácter discriminatório da decisão, invocou dois acórdãos de 2008 e 2014 do nosso Supremo Tribunal de Justiça (STJ), respeitantes a casos de negligência médica de dois pacientes do sexo masculino com 55 e 59 anos de idade, em que o STJ considerou que, o facto de os homens não mais poderem ter relações sexuais normais, tinha afetado sua auto-estima e resultado em "choque tremendo" e "forte choque mental”, atribuindo indemnizações no valor de 224.459 euros e 100.000 euros. Ora neste caso, a queixosa a quem tinham sido atribuídos 80.000 euros de indemnização pelo mesmo tipo de danos morais, vira o STA baixar esse valor para 50.000 euros, em virtude de ser uma mulher com 50 anos...
A decisão do TEDH, com dois votos discordantes, foi, assim, no sentido de reconhecer que Portugal violara o direito à não discriminação que a CEDH nos garante a todos, arbitrando uma indemnização de 3250 euros pelos danos morais resultantes dessa violação. A queixosa poderá, ainda, pedir aos tribunais portugueses que reavaliem o seu caso face a esta decisão do TEDH. Abençoado TEDH!
PS. Esta coluna faz férias em Agosto.