Alterações curriculares: debate honesto ou vitória na secretaria?
A exclusão das sociedades científicas deste diálogo é absurda: não só o ensino de uma Ciência é assunto de óbvia relevância para a Ciência em causa, como não é concebível uma reflexão séria sobre o ensino de uma Ciência excluindo deliberadamente aqueles que simultaneamente a ensinam e a investigam.
Alterações curriculares são assuntos sérios. Devem, portanto, assentar em pressupostos claramente explicitados de modo a que possam ser confrontados com os necessários contraditórios, debates e auscultações.
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Alterações curriculares são assuntos sérios. Devem, portanto, assentar em pressupostos claramente explicitados de modo a que possam ser confrontados com os necessários contraditórios, debates e auscultações.
O Ministério da Educação (ME), e mais concretamente o atual secretário de Estado da Educação (SEE), João Costa, tomou como uma das suas bandeiras a necessidade de uma “flexibilização curricular sem alterar programas e metas”.
Esta convicção do SEE de que algo tinha de ser feito sobre os currículos de Matemática esteve na origem de duas reuniões, nos passados 2 de março e 6 de abril, nas quais a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) foi convidada a integrar dois grupos de trabalho sobre os programas de Matemática dos ensinos Básico e Secundário, os quais participavam também elementos da Associação de Professores de Matemática (APM), do ME, e professores convidados pelo ME e não filiados em qualquer das organizações.
O objetivo seria o de responder às dúvidas e aos problemas reportados por professores ao ME e fazer propostas de gestão e flexibilização curricular que, sem alterar os programas nem as metas curriculares (pois, segundo o próprio SEE, não faria sequer sentido fazê-loantes de os mesmos completarem um ciclo de funcionamento e consequente avaliação), facilitassem a sua implementação nesta fase de transição.
O resultado do intenso trabalho desenvolvido por estes grupos entre abril e final de julho foi divulgado publicamente pelo ME a 24 de agosto. Foi o que se poderia esperar de uma discussão intelectualmente honesta balizada por pressupostos claros: os atuais programas e metas foram mantidos sem alterações significativas mas foram feitas muitas sugestões práticas que permitiram dar resposta às naturais dificuldades sentidas por alguns professores nesta fase de implementação.
Mas, aparentemente, tal resultado, fruto de um debate duro mas honesto, não agradou ao SEE e, pelas declarações públicas oportunamente divulgadas, também não foi bem acolhido pela Direção da APM e, por algumas pessoas ligada às Ciências da Educação. Solução? Continuar o “debate” mas noutro formato.
No mais recente esforço de ``gestão curricular’’ promovido pelo ME o SEE decidiu não convocar as sociedades científicas mas apenas as associações de professores. A justificação foi que (supostamente) não se trataria de alterar programas e metas mas “apenas” geri-los. Isto apesar do SEE ter revelado que o trabalho tem como objetivo "emagrecer" os curricula e que o seu resultado começará a ser aplicado em 2017/18 nos anos iniciais do Ensino Básico (1.º, 5.º e 7.º). João Costa confirmou também que a revisão do currículo no secundário está dependente da conclusão do trabalho sobre o perfil do estudante à saída do 12.º ano que está a ser elaborado por um grupo presidido por Guilherme d’Oliveira Martins.
As contradições do discurso prosseguem, tendo o próprio SEE afirmado que o resultado poderá significar um corte de até 25% da matéria lecionada. Ora “emagrecer” currículos é, efetivamente, modificá-los.
Em Matemática este emagrecimento, por pequeno que seja, pode resultar em modificações profundas se se pretender preservar a consistência lógica e pedagógica do resultado final.
A exclusão das sociedades científicas deste diálogo é absurda: não só o ensino de uma Ciência é assunto de óbvia relevância para a Ciência em causa, como não é concebível uma reflexão séria sobre o ensino de uma Ciência excluindo deliberadamente aqueles que simultaneamente a ensinam, a investigam, a aplicam profissionalmente e têm dela uma visão de conjunto.
O argumento é caricato no caso da Matemática, onde praticamente 100% dos sócios da SPM são, de facto, professores da disciplina nos vários níveis de ensino. Mas também o é no caso da Física e da Química, onde, não havendo associações de professores, ninguém seria ouvido. Por fim, muito recentemente, após algumas notícias na comunicação social e alguma contestação pública, a Direção Geral de Educação convocou as sociedades de Física e de Química, e o SEE agendou uma reunião com a de Filosofia (disciplina que também tem uma associação de professores). Mas não ainda com a SPM…
De uma coisa não é possível duvidar: o SEE é inteligente e percebeu perfeitamente que ao incluir a SPM numa discussão séria, sem sound bites, sobre a Matemática e o seu ensino e sobre os programas e as metas curriculares de Matemática dos ensinos Básico e Secundário, estaria a correr o sério risco de repetir o que aconteceu em abril passado e ter como resultado algo que não se compaginava com o objetivo que, a priori, deverá ter delineado. Solução simples para este difícil problema: eliminar do debate a SPM.
Futebolisticamente falando, é ganhar na secretaria!